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Marcel Gautherot na revista Módulo - ensaios fotográficos, imagens do Brasil: da cultura material e imaterial à arquitetura1

Heliana Angotti-Salgueiro at Universidade Presbiteriana Mackenzie

Abstract and Figures

Este artigo tece considerações sobre as fotografias de Marcel Gautherot na Módulo, Revista de Arquitetura e Artes Plásticas fundada em 1955 por Oscar Niemeyer, quando ele já era conhecido nos anais da arquitetura internacional. O texto visa levantar questões de método diante das lacunas da historiografia dos periódicos no país e, sobretudo, destacar a importância da Módulo e de suas reportagens fotográficas, lembrando o seu papel na afirmação e difusão da arquitetura moderna brasileira, além de refletir sobre o anonimato de fotógrafos nas publicações do gênero. A revista evidencia que para os homens daquela geração, a nova arquitetura era indissociável da afirmação da identidade nacional, ao lado das artes plásticas, do patrimônio histórico, e das representações da cultura material e imaterial - arquitetura vernacular, folclore, jogo da capoeira, arte popular (carrancas de proa), e outros temas que são, justamente, os das séries fotográficas do acervo de Marcel Gautherot, figurando nos números da primeira fase da revista até os anos 1960. A análise destaca, especialmente, o registro fotográfico da construção de Brasília, foco principal da retórica programática do periódico.

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11

Marcel Gautherot na revista Módulo

ensaios fotográcos, imagens do Brasil: da

cultura material e imaterial à arquitetura1

Heliana Angotti-Salgueiro2

RESUMO: Este artigo tece considerações sobre as fotograas de Marcel Gautherot na Módulo,

Revista de Arquitetura e Artes Plásticas fundada em 1955 por Oscar Niemeyer, quando ele

já era conhecido nos anais da arquitetura internacional. O texto visa levantar questões de

método diante das lacunas da historiograa dos periódicos no país e, sobretudo, destacar

a importância da Módulo e de suas reportagens fotográcas, lembrando o seu papel na

armação e difusão da arquitetura moderna brasileira, além de reetir sobre o anonimato

de fotógrafos nas publicações do gênero. A revista evidencia que para os homens daquela

geração, a nova arquitetura era indissociável da armação da identidade nacional, ao lado

das artes plásticas, do patrimônio histórico, e das representações da cultura material e imaterial

– arquitetura vernacular, folclore, jogo da capoeira, arte popular (carrancas de proa), e outros

temas que são, justamente, os das séries fotográcas do acervo de Marcel Gautherot, gurando

nos números da primeira fase da revista até os anos 1960. A análise destaca, especialmente,

o registro fotográco da construção de Brasília, foco principal da retórica programática do

periódico.

PALAVRAS-CHAVE: Marcel Gautherot. Periódico de arquitetura. Fotograa Moderna. Módulo .

Oscar Niemeyer. Brasília.

ABSTRACT: This article is about photographs of Marcel Gautherot published in Módulo

magazine, a Review of Architecture and Visual Arts, created by Oscar Niemeyer in 1955,

when he was already internationally known as an architect. The purpose of the text is to raise

methodological questions around the hiatus on historiography concerning periodicals in this

country, and specially to show the role of Módulo and its photographic reports on afrmation

and diffusion of modern Brazilian architecture, also considering the anonymity of photographs

on architectural publications. The periodical demonstrates that for the men of that generation,

the new architecture was connected to a nationalist view on identity, manifested by the visual

arts, the historical heritage and the representations of material and immaterial culture – vernacular

architecture, folklore, capoeira, popular art (like gureheads on boats), and other subjects that

Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.22. n.1. p. 11-79. jan.- jun. 2014.

1. Este artigo baseou-se em

uma comunicação com o

mesmo título, apresentada

em 14/12/2004, na Jornada

de Estudos Representações

do Brasil: séries, coleções e

apropriações editoriais da

fotografia nos anos

1940/1960, realizada na

Universidade Federal

Fluminense, no âmbito do

projeto Travel Images as

Icons of Brazil (1930-

1960s). Art and Visual

Conventions in Marcel

Gautherot´s Photographic

Series, que desenvolvi com

Lygia Segala entre 2004-

2007, graças a uma bolsa

(Collaborative Grant)

outorgada pela The Getty

Foundation. Além das

jornadas de estudos que

organizamos em São Paulo,

Niterói e Paris, nossa

pesquisa resultou em

exposição internacional e

catálogo editado pela

Fundação Armando Alvares

Penteado, que acolheu o

projeto. Ver: Heliana

Angotti-Salgueiro (2007b).

Em 2009/2010 ampliei as

temáticas dessa

comunicação em projeto de

pesquisa enviado à J. S.

Guggenheim Foundation,

Lighted Forms of Brazilian

Modern Architecture: the

case of Marcel Gautherot

photographying Brasília, e

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

12

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é levantar questões em dois níveis: o primeiro

vem de uma preocupação metodológica a respeito das lacunas sobre periódicos

relativos à arquitetura no país e ao papel da fotografia nos mesmos quanto à

afirmação e difusão do modernismo; o segundo é destacar a importância da revista

Módulo, da qual não se conheciam análises específicas, situando-a nos ideários

do arquiteto Oscar Niemeyer (seu diretor) e nos de sua geração. Procurando

associar esses dois níveis, interessam-me, especialmente, as reportagens fotográficas

de Marcel Gautherot, fotógrafo francês ativo no Brasil desde os anos 1940. Essas

reportagens, a partir do primeiro número da Módulo em 1955, inscrevem-se nos

seguintes campos: cultura material, imaterial e arquitetura moderna brasileira,

destacando-se, paulatinamente as fotografias sobre a construção de Brasília, que

aparecem, na maioria das vezes, como era de praxe em periódicos de arquitetura,

sem identificação de autoria.

Inicialmente, apresento o título, que remete às teorias de Le Corbusier,

considero os princípios editorais fundadores da revista, e comento as carências da

historiografia sobre periódicos, bem como o anonimato dos fotógrafos, até mesmo

em clichês de ampla e repetida circulação internacional. As temáticas da revista

Módulo na sua primeira fase3 evidenciam que para os homens daquela geração,

a arquitetura moderna era indissociável da afirmação da identidade e cultura

nacionais, ao lado não apenas das artes plásticas, mas do patrimônio histórico,

da arquitetura vernacular, de aspectos da natureza do país, seu folclore, arte

popular, e outros temas afins que são, justamente, temas recorrentes nas séries

fotográficas do acervo de Gautherot, hoje conservadas no Instituto Moreira Salles.

Na Módulo , observamos que estes temas vão cedendo o lugar às reportagens

sobre a construção e arquitetura de Brasília, que se tornarão matéria dominante.

Marcel Gautherot, fotógrafo francês que chegara ao Brasil em 1941,

logo se liga a instituições e a pessoas de destaque na afirmação da ideia de uma

cultura brasileira, como o SPHAN e Oscar Niemeyer, e aos circuitos e contextos

a ela associados. Mas, se sua obra hoje é considerada representativa de muitos

deles, não se pode, porém, compreendê-la sem o conhecimento de linguagens da

fotografia europeia do entre-guerras, – o Construtivismo e a Nova Objetividade

entre elas –, presentes em algumas de suas séries comentadas em retrospectiva de

suas experiências vividas anteriormente na Paris dos anos 1930, cujo domínio é

imprescindível ao pesquisador.

are the same on Gautherot's collection, appearing since the rst issues of the magazine until the

60's. The analysis specially highlights photographs of the construction of Brasília, main topic of

the programmatic rhetoric of the periodical.

KEY-WORDS: Marcel Gautherot. Architecture Magazine. Modern Photography. Módulo. Oscar

Niemeyer. Brasília.

em projeto de exposição

sobre Brasília, que não se

efetivou. A versão da

comunicação aqui publicada

conta com acréscimo de

considerações, notas e

bibliografia.

2. Doutora em História da

Arte pela École des Hautes

Études en Sciences Sociales

de Paris (EHESS, 1992),

com pós-doutorados, pes-

quisas e curadorias fomen-

tados pela The Getty Foun-

dation, Conselho Nacional

de Pesquisas e Tecnologia

(CNPq), Fundação de Am-

paro à Pesquisa do Estado

de São Paulo (FAPESP), As-

sociation of Research Insti-

tutes in the Art History

(ARIAH) e Fundação Ar-

mando Alvares Penteado

(FAAP). Foi Professora Titu-

lar da Cátedra Brasileira em

Ciências Sociais Sérgio

Buarque de Hollanda

(EHESS-Maison des Scien-

ces de l'Homme, em Paris,

entre 2004-2008) e profes-

sora-visitante nas universi-

dades de La Rochelle, Poi-

tiers e Tours. É autora de

livros e artigos nas áreas de

história da arquitetura e do

urbanismo, história da arte,

epistemologia e história da

geografia e história da foto-

grafia. Atualmente é bolsis-

ta da CAPES, junto ao Pro-

grama de Pós-Graduação da

Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade

Presbiteriana Mackenzie.

E-mail: <angotti@usp.br>.

3. O primeiro número da

Módulo saiu em março de

1955; este artigo enfoca es-

pecialmente as reportagens

com fotografias de Marcel

Gautherot em números até

1962.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 13

A análise das fotografias da Módulo e a busca de autoria, das capas

às reportagens, é feita com base no cotejamento das mesmas com as séries do

acervo de Marcel Gautherot conservado no Instituto Moreira Salles, no Rio de

Janeiro. O conhecimento deste acervo, em pesquisas anteriores, possibilitou-me

levantar a atribuição de clichês da revista, bem como a considerar algumas

intervenções da diagramação. Este trabalho prolonga, pois, pesquisas que

desenvolvemos sobre Marcel Gautherot desde 20044 , buscando aprofundar seu

papel na produção e registro das representações do Brasil e na memória documental

do nascimento de Brasília. Estas fotografias e as que retratam a cultura material e

imaterial brasileiras foram também tema de exposições fora do país noticiadas na

Módulo e comentadas no final do artigo, das quais muitas delas podem ser

atribuídas a Gautherot, que tornou-se um dos fotógrafos mais conhecidos na

atualidade pela cristalização da imagem da nova capital.

Do periódico: título, princípios e autoria fotográfica

Módulo apresenta-se como uma revista de arquitetura e artes plásticas

que começa a circular em março de 19555 sob a direção do arquiteto Oscar

Niemeyer, do engenheiro Joaquim Cardozo, seu braço direito, além de Rodrigo

Melo Franco de Andrade (então diretor do DPHAN), o escritor Rubem Braga e o

arquiteto Zenon Lotufo; em seguida, outros nomes são acrescentados à equipe de

direção. Desde o primeiro número, já contava com correspondentes nacionais,

devidamente identificados no sumário: Carlos Lemos em São Paulo, Edgar Graeff

em Porto Alegre, Rafael Hardy em Belo Horizonte, Lucio Estelita em Recife e José

Bina Fonyat em Salvador. Módulo dispunha também, como era de praxe em

revistas congêneres, de correspondentes que asseguravam sua circulação para

além das nossas fronteiras. A ambição de ser internacional, "condição necessária

de uma revista moderna "6 , confirmava-se na qualidade gráfica e nas traduções

resumidas dos artigos em inglês, francês e alemão nos primeiros números, para em

seguida serem traduzidos na íntegra e reunidos em separata. A designação "revista"

explicita, por sua vez, ambições teóricas, pois não se tratava de gazeta, jornal,

ou boletim.

Na Módulo no 1, a redação assinou o editorial "A revista e o título"7, em

que há referência explícita ao sistema de medidas para determinar as proporções

das unidades do edifício baseado nas proporções do corpo humano – "recriadas e

racionalizadas pelo gênio de Le Corbusier, no seu Modulor" – observando-se que

são antes "a altura e as proporções deste bicho da terra tão pequeno e não uma

fração decimal do meridiano terrestre, que lhe serve de padrão". As intenções de

4. Ver em Referências as pu-

blicações de Angotti-Sal-

gueiro e Segala a partir de

2005.

5. A revista circulou até 1965

quando sua sede foi invadi-

da e saqueada pelo regime

militar. Voltou a circular de

1975 a 1989, mas a fase que

me interessa comentar neste

texto é a dos primeiros anos,

até 1962, enquanto Gauthe-

rot fazia parte do grupo de

fotógrafos da redação.

6. A expressão é de Hélène

Jannière (2002, p. 143). Este

livro é uma obra de referên-

cia incontornável para os

pesquisadores interessados

em periódicos de arquitetu-

ra.

7. Ver A revista... (1955).

Queremos que esta revista, que forçosamente será de interesse técnico, e se dirige

especialmente a prossionais e artistas, tenha sempre a humildade e a força de ser alguma

coisa a respeito do homem comum, esse exilado de nosso tempo e de nossa cidade.

A Redação, Módulo no 1, 1955.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

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respeito à escala humana acolhida pela revista em seu próprio título, levando em

conta o conforto na relação entre o homem e o seu espaço vital, foram acompanhadas

da retórica social modernista, na declaração dos princípios: embora a revista fosse

"forçosamente de interesse técnico", e dirigida "especialmente a profissionais e

artistas", ela teria "a humildade e a força de ser alguma coisa a serviço do homem

comum, esse exilado do nosso tempo e da cidade (...) humilhado entre paredes e

máquinas". A carta de intenções termina reiterando a fidelidade à "singela medida

do humano" entre os "prodígios da técnica e as fantasias da estética".

Sabe-se que Le Modulor fora apresentado primeiramente em 1943 por

Le Corbusier, e que, em 1948, o arquiteto retomou sua explicação e publicou, em

1950, Le Modulor. Essai sur une mesure harmonique à l'échelle humaine applicable

universellement à l'architecture et à la mécanique. O livro Modulor II aparece em

1955, com o sugestivo subtítulo La parole est aux usagers, comprovando a

repercussão e os debates em torno do sistema de medidas criado pelo mestre suíço-

francês. O Modulor (conjunção de module + nombre d'or) é ligado ao interesse

pelas proporções de uma nova arquitetura, em pleno período de reconstrução das

cidades destruídas pela guerra, afigurando-se como um instrumento pedagógico

para normalizar a produção industrial moderna, além de ser um instrumento de

atividade criadora. Nesse sentido, se inscrito na própria obra de Le Corbusier, a

partir da Unidade de Habitação de Marselha (Figura1), o Modulor afigura-se mais

como uma pesquisa de ordem poética e uma reflexão artística, do que como um

método matemático de harmonias geométricas entre o homem e a casa8.

Uma fotografia de Le Corbusier seguindo os postulados de retratos da

Nova Visão na tomada oblíqua de baixo para cima9 divide a página dupla que

abre a Módulo no 1, com editorial explicativo do título de um lado, e texto de

intenções e princípios de outro (Figura 2), baseado em nota elaborada por Oscar

Niemeyer para ser lido em programa da Rádio MEC (não se indica a data), fato

que não acontecera, pois este não aceitou os cortes da censura. O tom de

manifesto característico do arquiteto engajado está aí explícito e a referência é Le

Corbusier, seu "urbanismo humano" e sua arquitetura "vazada de solidariedade"

– "um libelo contra esse regime de mistificações e injustiças em que vivemos, onde

o interesse das coletividades está invariavelmente sujeito às imposições de classe,

e [em que] les joies essentielles [a expressão alegrias essenciais está em La Maison

des hommes, de Le Corbusier e Pierrefeu, escrita em 1942,] são privilégio de

pequena minoria". O texto destaca ainda o papel do "mestre" na afirmação da

nossa arquitetura e louva, sobretudo, o modelo da ville verte solidária:

8. Cf. o verbete Modulor, em

Le Corbusier, une encyclope-

die (1987, p. 259-261). Peter

Collins escreve um editorial

sobre o Modulor em The

Architectural Review, vol.

116, n. 691, jul. 1954.

9. A fotografia é de Robert

Doisneau (Agence Rapho)

feita na cobertura-jardim do

apartamento-ateliê de Le

Corbusier, na rua Nunges-

ser-et-Coli n. 24, em Paris

em 1943. Agradeço esta in-

formação a Isabelle Godine-

au, da Fondation Le Corbu-

sier.

10. Assim, completa Nie-

meyer: "toda a cidade seria

mais humana e feliz. Suas

belezas naturais protegidas

e seus monumentos realça-

dos por um plano de urba-

nismo correto, contra o qual

se anulariam interesses su-

balternos". (1955a, p. 3). Em

seus textos de juventude, Le

Corbusier havia escrito entre

1910 e 1915, sobre a trans-

formação da cidade para "a

felicidade dos homens", ver

Le Corbusier (1992).

...grandes blocos de habitação coletiva, suspensos em colunas, cercados de parques, jardins,

creches, clubes, cinemas, mercados, etc. E nesses maravilhosos conjuntos os homens não

cariam (...) connados em estreitos apartamentos. Suas janelas não abririam sobre os prédios

vizinhos, nem para as ruas estreitas, nem para o barulho infernal que nos impede a recuperação

das energias que o trabalho diário solicita. (...) Grandes espaços livres separariam as

habitações, garantindo-lhes o contato direto com a natureza, que é uma das exigências da vida

moderna, e as vias de circulação seriam rigorosamente distribuídas entre pedestres e veículos10 .

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 15

Esse trecho é, por certo, um anúncio do que se realizaria nas

superquadras em Brasília, cumprindo os postulados dos CIAM em relação à

moradia, ou seja, a criação de zonas residenciais em meio a áreas verdes e

complementadas por serviços.

No expediente desse primeiro número da Módulo estão agrupados

em ordem alfabética os nomes dos fotógrafos que trabalham para a revista: Jean

Manzon, José e Humberto Franceschi, Kasmer, Marcel Gautherot e Rafael Landau.

A menção à autoria ao longo das páginas dos clichês passou, porém, a ocorrer

apenas a partir do segundo número, embora tal procedimento não tenha sido

sistemático nem obrigatório, com omissões intermitentes, mesmo em números

importantes como os referentes às obras de Brasília. Parece-nos, entretanto, que,

ao longo das reportagens, a atribuição a Gautherot é mais freqüente do que aos

demais fotógrafos, especialmente porque há muitas matérias "ilustradas"

inteiramente por ele, que não se referem à arquitetura, mas a outras temáticas da

revista.

Figura 1 – Le Corbusier fotografado por Lucien Hervé diante do

desenho do baixo-relevo do Modulor, na Unidade de Habitação,

em Marselha, 1952. © Fondation Le Corbusier, Paris.

Figura 2 – Fotografia de Le Corbusier por Robert Doisneau,

usada na página de abertura da Módulo no 1, 1955. ©

Fondation Le Corbusier, Paris.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

16

O anonimato do fotógrafo de arquitetura era a regra no cenário

internacional, tema estudado na literatura estrangeira a respeito das revistas

modernistas da vanguarda que circulam fartamente ilustradas desde os anos 1920.

Embora responsáveis pela comunicação promocional e difusão das obras dos

arquitetos nessas publicações e exposições, os fotógrafos não eram em geral

reconhecidos, nem seu trabalho valorizado. Sabe-se que estando a serviço de um

arquiteto, eles eram solicitados a produzirem "documentos", a se submeterem a

ditames diversos e complexos, específicos a cada encomenda ou campanha

fotográfica, sendo, pois, excepcional a "criação sobre a criação", a "criação

partilhada", a "foto de autor", ainda mais porque o gênero vista de arquitetura ,

não era reconhecido "como arte"11.

A partir dos anos 1940, quando a arquitetura moderna brasileira

começara a ocupar as páginas de livros e periódicos internacionais, a tendência

de não citar o nome do fotógrafo em relação a cada clichê permaneceu, podendo

seus nomes, todavia, constar, em sumários ou nos textos de apresentação. As fotos

raramente fugiam das modalidades clássicas de representação, mas, apesar disso,

uma "nova visão" fotográfica da arquitetura surgia esporadicamente em capas,

introduções e editoriais, como a tomada em perspectiva oblíqua da fachada

noroeste do edifício do Ministério da Educação e Saúde que consta no catálogo

que foi um marco para a difusão da nova arquitetura brasileira, Brazil Builds, em

194312 (Figura 3). Essa tomada diverge das demais publicadas na obra, marcadas

pela impessoalidade do registro documental, pois segue os postulados da Nouvelle

Vision, captando de baixo para cima a grelha de brise-soleil, além de destacá-la

em detalhe como a solução aos problemas do clima tropical. O mesmo ângulo,

mas com o perfil do edifício acentuado pela aproximação (ou seria a mesma

fotografia cortada?) reaparece também sem cachet autoral, em número especial

sobre o Brasil de L'Architecture d'Aujourd'hui, em 1952, que traz artigo de Sigfried

Giedion, "Le Brésil et l'architecture contemporaine" (Figura 4).

Idêntica visão da tomada em contre-plongé faz parte das pranchas-contato

do acervo de Marcel Gautherot sobre o mesmo prédio pertencentes ao Instituto

Moreira Salles (a título de exemplo, os contatos 11166 a 11168), bem como um

gros plan do brise soleil (contato n. 11169), semelhante ao da fotografia em Brazil

Builds, e que se repetirá nas pranchas 1 e 5 do livro Oscar Niemeyer de Stamo

Papadaki13 . As similitudes dos ângulos captados por diferentes fotógrafos é um dado

da circulação internacional de imagens, e conseqüentemente, das dificuldades de

atribuição de autoria na história da fotografia da arquitetura moderna.

Embora, como foi dito, o crédito ao fotógrafo não seja uma prática

obrigatória nas revistas de arquitetura até mesmo nos anos 195014, no número

especial sobre o Brasil de L'Architecture d'Aujourd'hui, publicado em setembro de

1947, a fotografia do Grande Hotel de Ouro Preto, de Oscar Niemeyer é atribuída

a Gautherot. O reconhecimento profissional do fotógrafo começa a se afirmar

timidamente, na sombra daquele do arquiteto, e embora não haja evidências

documentais específicas sobre a relação dos dois (correspondências, entrevistas

11. Ver a respeito Olivier

Lugon (2003). O próprio Le

Corbusier, embora empre-

gasse a fotografia em seus

livros, subestimou os fotó-

grafos (como outros arquite-

tos de sua geração) até en-

contrar Lucien Hervé em

1950, que promoveu sua

obra, trabalhando junto ao

arquiteto por 15 anos; a esse

respeito ver Nathalie Hers-

chdorfer e Lada Umstätter

(2012). Entre as leituras so-

bre a relação "fotografia /

arquitetura", destaco: His-

tory of Photography, vol. 22,

n. 2, Summer 1998.

12. Ver Philip L. Goodwin

(1943).

13. Ver as pranchas mencio-

nadas em Stamo Papadaki

(1960).

14. Para citar apenas alguns

exemplos sem atribuição de

autoria aos fotógrafos: The

Architectural Review, v. 108,

n. 644, ago. 1950 com foto-

grafias de edifícios de Lucio

Costa no Parque Guinle; no

"Report on Brazil" de outu-

bro daquele ano, n. 646,

obras (Pampulha, Pedregu-

lho...) estão sem autor; o

mesmo para obras de Reidy,

Niemeyer e outros no v. 16,

n. 694 ("Report on Brazil")

de outubro de 1954. Porém,

no numero especial 'Brésil'

de L'Architecture

d'Aujourd'hui, v. 23, ns. 42-

43, ago. 1952, muitos fotó-

grafos já são identificados:

Photo Hess, P. Sheier, Aer-

tens, José Medeiros, Lefèvre,

Landau, Kazmer, Photo Car-

los, Jean Manzon e Carlos

Botelho – os cinco últimos

figurarão na Módulo; há

mesmo uma reportagem so-

bre o edifício Caramuru, em

Salvador, com fotografias

atribuídas a Verger. O nome

de Gautherot também apa-

rece como autor de fotogra-

fias da "Unidade de habita-

ção" de Pedregulho nesse

número, como já havia apa-

recido em: L'Architecture

d'Aujourd' hui (edição so-

bre urbanismo na América

latina), n. 33, dez. 1950/jan.

1951; na Domus n. 254, jan.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 17

Figura 3 – Página dupla do prefácio de Brazil Builds. Architecture New and Old 1652-1942, de Philip L. Goodwin, destacando a

fachada e detalhe do edifício do MEC, no Rio de Janeiro, protótipo da arquitetura moderna brasileira.

1951; e em L'Architecture

d'Aujourd' hui, n. 52, jan-

-fev. 1954, nas fotos do jar-

dim de Burle Marx no aero-

porto do Rio. No que

concerne aos livros, a práti-

ca de atribuição das fotogra-

fias da arquitetura brasileira

se generaliza, como se pode

observar em autores como

Henrique Mindlin (1956),

Stamo Papadaki (1960) e

Henry-Russel Hitchcock

(1955, que cobre também

outros países da América

Latina). Porém os fotógrafos

(Gautherot entre eles), não

são indicados particular-

mente em cada clichê, mas

em lista, no final dos volu-

mes, em relação aos núme-

ros das páginas em que figu-

ram suas fotos ou junto aos

números das pranchas.

significativas, práticas respectivas de enriquecimento mútuo) – pode-se afirmar que

um entendimento criativo se estabelece entre eles a partir das campanhas de registro

fotográfico que acabam por resultar em verdadeiros arquivos de projetos. Afinal de

contas, de maneira formal ou informal (no mais das vezes...), Gautherot captou os

canteiros de obras de Niemeyer de 1942 até pelo menos o inicio dos anos 1960,

fornecendo material para a imprensa, editores e exposições, documentando e

difundindo, enfim, as obras mais importantes do modernismo brasileiro.

Como observei sobre o anonimato e a circulação, as fotografias se

repetiam entre diferentes publicações, pois os fotógrafos colaboravam em revistas

de várias nacionalidades, e certas obras e partes delas eram mais retratadas do

que outras. É o caso do brise soleil da fachada do edifício do MEC, marco

fundador e emblemático da nossa arquitetura moderna que se torna um ícone a

partir de Brazil Builds, e que reaparece na capa do número "Brésil" da L'Architecture

d'Aujourd'hui, de 1947 (desta feita a foto é atribuída a "Foto Carlos", que mais

tarde vai integrar a equipe da Módulo); uma vista geral do edifício figura na capa

da Encyclopédie de l'Architecture Nouvelle de Alberto Sartoris, em 1954, no

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

18

volume sobre "Ordre et Climat Américains"15 (note-se que entre suas 800 ilustrações

quase trezentas pranchas sem atribuição de autoria exibem obras brasileiras16 ).

Voltarei à questão dos créditos mais adiante, ao comentar as reportagens com

fotografias de Marcel Gautherot na Módulo.

Figura 4 – Página do número especial "Brésil" de L'Architecture d'Aujourd'hui, no 42-43, 1952, com

o editorial de André Bloc "Ayons confiance dans l'architecture contemporaine". Fotografia sem

atribuição de autoria.

15. Ver Alberto Sartoris

(1954).

16. Baudin refere-se ao "em-

preendimento editorial" de

Alberto Sartoris, como uma

contribuição que levantou e

fixou o mais representativo

corpus de referência icono-

gráfica do movimento mo-

derno internacional. O re-

pertório inclui o Brasil, com

379 tiragens, mas 64 são de

maquetes e 126 de represen-

tações gráficas; a maioria

retrata obras até 1953, e há

poucas do final dos anos

1950. Entre os fotógrafos

citados estão Hugo Zanella,

o arquiteto G. Warchavchik,

a agência Carlos, Marcel

Gautherot, Michel Aertsens,

sendo que há muitas foto-

grafias sem assinatura. Ver

Antoine Baudin (2003, p.

199).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 19

A fotografia na revista Módulo e o design das capas

O lugar da fotografia como reprodução impressa é preponderante em

todas as rubricas da revista Módulo, da capa à publicidade, passando pelas

reportagens principais, cujas temáticas respondem aos interesses dos anos 1950,

voltados, além da arquitetura, para a cultura popular e as artes plásticas em suas

manifestações diversas. Tal variação fica evidente no exame do sumário do primeiro

número, que reúne artigos sobre arquitetura brasileira (destacando obras marcantes

como o conjunto do Ibirapuera), bonecas Carajás (com fotos de Gautherot, sem

crédito), capelas rurais do Brasil (monumentos tombados como patrimônio histórico

nacional são frequentes nos primeiros números da Módulo), casas sobre palafitas

(a arquitetura vernacular foi um dos temas prediletos de Gautherot), e outros assuntos

como o trabalho do escultor-arquiteto José Souza Reis, os jardins de Burle Marx, e

atualidades arquiteturais como projetos de residências de arquitetos modernistas,

em fotografias sem atribuição.

Nas revistas de então, as imagens escapavam completamente das mãos

dos fotógrafos, submetidas a enquadramentos arbitrários, a cortes, a formatos

diversos e a justaposições, adequando-se às escolhas dos diagramadores17 . A

manipulação de fotos também está presente no layout das capas da Módulo, muitas

das quais desenhadas ou compostas sob "arranjo" de arquitetos e/ou designers,

como Arthur Lício Pontual, Athos Bulcão, Glauco Campelo e, mais tarde, Goebel

Weine. Se esses estão devidamente identificados como autores do design gráfico,

a menção ao fotógrafo, como foi dito, é esporádica nos primeiros números. Em

geral as capas destacam detalhes de arquitetura de obras significativas, mostradas

nas páginas internas do número, tirados de fotografias e montados em fundo com

cores primárias que podem também velar a imagem p/b.

A capa da Módulo no 1 traz, por exemplo, os pilotis robustos de

concreto bruto em forma de "V", recortados de fotografia sem atribuição do Palácio

da Agricultura do Parque do Ibirapuera (Figura 5), que faz parte de artigo deste

número sobre a "Arquitetura Brasileira", aí denominada como "moderna e nacional",

demonstrando que a revista era a priori uma empresa engajada por ela, como

atesta o cachet na parte inferior das capas: "Brasil Arquitetura".

A arquitetura moderna era, assim, o tema central das imagens das capas

da revista, mas essa arquitetura era suplantada, algumas vezes, por outras

representações, como a dos monumentos patrimoniais: a capa da Módulo no 12

(fevereiro de 1959) mostra fachada em Ouro Preto, em layout de Pontual sobre

fotografia que recebe o efeito moiré, atribuída a Otto Stupakoff; a da Módulo no

23 (junho de 1961) estampa fotografia da igreja de São Miguel das Missões, sem

menção de autor, mas que poderia fazer parte das séries de Marcel Gautherot no

Arquivo Noronha Santos18, e a capa da Módulo no 29, de 1962, exibe um detalhe

da Fazenda Colubandê, no município de São Gonçalo, no Estado do Rio. Essas

duas últimas capas pertencem, aliás, à fase em que as dimensões da revista já

estavam reduzidas e quando ela não apresentava mais o cuidado gráfico e o

17. Sobre a história da su-

bordinação da fotografia à

criação tipográfica, ver Oli-

vier Lugon (2007b). Vimos

em pesquisas anteriores que

o nome de Gautherot apare-

ce em cartão da exposição

"Affiche/Photo/Typo", de

1935, em Paris – mas, neste

cartão, uma pastilha precede

o nome dos fotógrafos: Ver-

ger, Boucher, Zuber e

Feher; Gautherot estaria en-

tre os designers e decorado-

res que montaram a exposi-

ção, como Robert Pontabry,

que em 1936 faria com ele o

projeto da sala de projeções

e conferências do Museu do

Homem. Ver reportagem na

L'Architecture

d'Aujourd'hui, de junho de

1938.

18. Na Série "Inventário"

desse arquivo, no IPHAN,

no Rio de Janeiro, Lygia Se-

gala encontrou grande nú-

mero de fotografias de Gau-

therot, inclusive negativos,

sobre as ruínas dos Sete

Povos das Missões. Cf. Lygia

Segala (2007b, p. 223-231).

Lembro outra exceção em

que a arquitetura não está

na capa da Módulo: trata-se

do n. 14 (1959) em que o

layout é novamente de Pon-

tual, que usa livremente a

silhueta de uma escultura de

Mario Cravo, tirada de foto-

grafia de Franceschi. Pontu-

al desenhou capas também

para outras revistas, como a

Brasília (da Cia. Urbaniza-

dora da Novacap), que atri-

bui fotos da capital em cons-

trução a Gautherot, a

Franceschi, e especialmente

a Mario Fontenelle, em 1958

e 1959.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

20

conteúdo variado dos primeiros anos; chega-se mesmo a não registrar o crédito

a Gautherot em muitas fotografias da maior relevância de suas séries sobre

Brasília nas páginas internas (como na Módulo no 26, de dezembro 1961, da

Figura 5 – Capa da Módulo no 1, março de 1955: "arranjo" de Athos Bulcão com pilotis recortados

de fotografia sem atribuição.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 21

qual vou tratar mais adiante), embora neste caso, a capa seja atribuída a ele

(Figura 6).

A eficácia mediática da fotografia se associa, ao longo das capas e

páginas, a outras linguagens da produção arquitetônica – desenhos de plantas e

detalhes de perfis, esboços e muitas fotos de maquetes –, para tornar os projetos

inteligíveis e a recepção positiva, das novas formas da arquitetura moderna,

afirmando e reafirmando imagens que vão conferir o estatuto de ícones a certos

edifícios e às suas partes – penso aqui, no Palácio da Alvorada e em suas colunas

que se repetem em tiras horizontais num "arranjo" de Athos Bulcão na capa da

Módulo no 719 (Figura 7).

Entre as capas em que fotografias retrabalhadas são atribuídas a

Gautherot, destaca-se a da Módulo no 13; nela, Pontual usa livremente, na

composição, um contato do fotógrafo20, introduzindo cores que modificam seu

efeito (Figura 8). Esse contato pede comentários sobre apropriações e persistências

19. Sobre a associação de

práticas híbridas da arte/

design/arquitetura no traba-

lho desse designer, ver Ra-

fael Miura Bonazzi (2010/2).

A Módulo n. 10, de agosto

de 1958, traz reportagem

sobre Bulcão como um dos

principais colaboradores de

Niemeyer na decoração de

construções para Brasília,

com imagens coloridas que

destacam detalhes de suas

obras, do vitral ao azulejo, e

pequenas fotos pb da Igreja

de N. S. de Fátima e da ca-

pela do Palácio da Alvorada

que poderiam ser de Marcel

Gautherot; na Módulo n. 14,

há uma reportagem sobre o

escritório da Construtora

Rabello S.A., em que um

painel é composto por Bul-

cão "com fotografias de M.

Gautherot".

20. Destaco sete contatos de

detalhes das estruturas em

construção (ns. 19557-

19663) de uma das pran-

chas-contato do acervo de

M. Gautherot; ver Heliana

Angotti-Salgueiro (2008, p.

42).

Figura 6 – Capas da Módulo na "primeira fase", entre 1955-1959.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

22

de linguagens da Nova Fotografia europeia dos anos 1920-1930, presentes na

obra de Gautherot em Brasília, no final dos anos 1950: no caso, a foto é abstrata

e inscreve-se no Construtivismo; há outros contatos nas páginas da Módulo ,

próximas da Nova Objetividade, outra linguagem vivenciada por Marcel

Gautherot em sua juventude antes de vir para o Brasil21. Na primeira, utilizada

21. Ver a respeito meu texto

"Formação profissional de

Gautherot: arquitetura e fo-

tografia" em Heliana Angot-

ti-Salgueiro (2007b).

Figura 7 – Capa da Módulo no 7, fevereiro de 1957.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 23

Figura 8 – Capa da Módulo no 13, abril de 1959: "arranjo" de Arthur Lício Pontual a partir de

fotografia de Marcel Gautherot.

nessa capa da Módulo no 13, o fotógrafo isola a trama dos ferros armados da

obra em construção, capta os aspectos tectônicos e construtivos das vigas num

espaço indefinido em perspectiva e afirma, assim, o valor da visualidade parcial

arquitetônica sobre o registro documentário arquitetural. A fotogenia22 formalista

22. Cf. Andreas Haus (1997,

p. 84-91). Entre os arquite-

tos-fotógrafos que assimila-

ram as experiências formais

da vanguarda se concentran-

do nas estruturas e linhas da

arquitetura, destaca-se Si-

gfried Giedion em seu clás-

sico Bauen in Frankreich...,

de 1928 (1995).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

24

de partes não remete à imagem real do edifício, mas desprende-se dele e se

inscreve nos códigos da fotografia experimental da vanguarda, tema sobre o qual

já desenvolvi um estudo específico23. Em relação a contatos desta série

Construtivista, emprego a noção de "fotogenia" com o sentido que os textos dos

anos 1930 lhe conferiram: "o que o olho mesmo é incapaz de ver e que somente

a fotografia vai lhe mostrar", ou seja, "é fotogênico o que apresenta um forte efeito

estético em fotografia (...) pelo efeito da luz e o jogo de detalhes". A "evidência

fotogênica" seria então a escolha de mostrar a beleza técnica de materiais (no

caso o ferro armado para receber o concreto), com suas superfícies preto-branco-

cinza, graças às luzes, reflexos (que desaparecem na composição de Pontual), e

o enquadramento em gros plan das armações metálicas fragmentadas do todo24 .

Na fotografia que deu origem à capa da Módulo no 13, ou em outras tiradas nos

canteiros de obras de Brasília em construção, e mesmo muito antes – é o caso dos

detalhes dos respiros no teto-terraço do edifício do Ministério da Educação e

Saúde no Rio, em 194625 –, Gautherot é livre para exercer escolhas e mostrar

sua capacidade criativa fora dos parâmetros documentais e informativos da foto

de encomenda.

Da segunda linguagem, ainda a remeter aos seus anos de vivência

europeia no âmbito da fotografia de arquitetura, destaco os contatos em que ele

se aproxima das formas para enquadrar apenas uma parte delas – caso das

cúpulas do Congresso Nacional –, captando-as sob um monumentalismo brutalista

que não possuem na realidade, e submetendo o volume cortado a fortes contrastes

de luz e sombra – a aproximação e a fragmentação inscrevem-se na linha da Nova

Objetividade alemã, familiar a Gautherot, e permite ao fotógrafo reivindicar sua

criatividade em relação aos seus pares que trabalhavam também para a revista26 .

Essa visão fragmentária de volumes puros e contrastados das cúpulas côncava e

convexa aparece no número especial sobre Brasília de L'Architecture d'Aujourd'hui

em 1960, no artigo de Oscar Niemeyer, "Mes expériences à Brasília" (traduzido

da Módulo ), e na Módulo no 18 e no 21, em página inteira, no mesmo ano, não

figurando, porém, como imagem de capa (Figura 9)

Há apenas um exemplo de fotografia semelhante, na linha da Nova

Objetividade, usada na capa da Módulo no 4, sem identificação de autoria – trata-

se da maquete do Museu de Arte Moderna de Caracas – que serve de base ao

arranjo gráfico do designer Athos Bulcão. Experimentos visuais como esses que

privilegiam ora a visibilidade abstrata da estrutura material, ora o volume espacial

do objeto, em detrimento de sua imagem convencional, afirmam uma subjetividade

irreal e mesmo intemporal e descontextualizada da arquitetura, e confirmam o

estatuto de autor ao fotógrafo.

A manipulação de clichês fotográficos, bem como sua combinação com

maquetes, esboços, perfis, caracterizadas por um design cuidado, é empobrecida

nas capas a partir da Módulo no 16, quando não há mais a composição ou os

"arranjos" anteriores, mas apenas uma ou mais fotografias pb com uma cor

sobreposta, ou a fotografia de maquete combinada a esboço de obras a serem

23. Ver Heliana Angotti-

-Salgueiro (no prelo).

24. Cf. as introduções aos

textos selecionados por Oli-

vier Lugon (1997, p. 149,

159). E, ainda, Andreas

Haus (1997), e o capítulo

"La nouvelle photographie

dans les revues des années

trente" de Hélène Jannière

(2002, p. 90-103).

25. Ver figura 23, contato

11.211, em Heliana Angotti-

-Salgueiro (2007b).

26. "Durante muito tempo a

criação em fotografia foi

identificada à fragmentação:

é recortando uma parte ar-

bitrária em um conjunto

maior que o fotógrafo pro-

clama sua capacidade de

transfigurar mais do que de

duplicar a realidade". Obser-

vação de Olivier Lugon

(2003, p. 50).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 25

Figura 9 – Gros plan da cúpula invertida do Congresso Nacional por Marcel Gautherot, em Módulo

no 18, junho de 1960, no artigo "Minha experiência de Brasília", de Oscar Niemeyer; a mesma

fotografia reaparecerá em outro artigo do arquiteto, "Forma e função na arquitetura", Módulo no 21,

dezembro de 1960.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

26

realizadas, como na Módulo no 17 (Figura 10). Nos artigos internos, a fotografia

também vai perdendo a importância que tinha nos primeiros anos da revista, com

raras exceções em artigos especiais assinados por Niemeyer, por exemplo, no no

26, de dezembro de 1961, comentado mais adiante, que traz significativas

tomadas de Marcel Gautherot.

Após as capas, entram as páginas publicitárias, em geral, dispostas

antes da página do expediente – com o conteúdo, nomes de diretores, de

correspondentes, fotógrafos, autores de layout, e informação sobre a periodicidade

(de dois a cinco números por ano) –, ou intercalando profusamente os artigos; elas

ocupam muitas vezes quase a página inteira com boas fotografias sem atribuição,

de obras da nova arquitetura em curso, ou já realizadas por grandes construtoras

e empresas consorciadas – caso do Conjunto Juscelino Kubistchek em Belo

Horizonte ou da construção do pavilhão hoje conhecido como "Oca", no Parque

Ibirapuera (Figura 11). Além das construtoras que, especialmente por ocasião das

obras de Brasília, propagam suas realizações utilizando fotografias, os anúncios

cobrem novos materiais de eleição do moderno, como pastilhas de vidro para

revestimentos (Vidrotil), o mobiliário contemporâneo (da empresa Oca), as firmas

de fundações (Geotécnica), os elevadores, que confirmam a fase de verticalização

das cidades ("O Rio, como as grandes capitais, sobe com Otis"), enfim, informam

sobre as empresas atuantes neste período desenvolvimentista da indústria ligada à

construção civil em plena atividade, graças à renovação urbana e arquitetural do

país. A relação texto/imagem confirma a primazia da reprodução fotográfica a

serviço da imprensa, e submetida ao trabalho ora criativo, ora banal, do grafismo

publicitário moderno27. Essas considerações constituem apenas uma introdução ao

projeto gráfico e às estratégias visuais da revista, a serem aprofundadas.

Da importância de circuitos e contextos na produção fotográfica de Gautherot, e

das lacunas de pesquisas sobre periódicos

Em 2004, ao examinarmos a Módulo e outras revistas e livros a procura

de fotografias de Gautherot entre 1940-1960, duas questões vieram à tona: a

primeira, mais geral, partia de uma constatação que me incomodava desde as

pesquisas que realizei sobre o século XIX relativas às lacunas da historiografia sobre

a imprensa periódica no Brasil, às carências de metodologia sistemática de análise

interna do objeto-revista ele mesmo (como se organiza, sua dimensão material, etc...),

ao levantamento de repertórios e inventários de iconografia que neles figurava, e,

especialmente, à ausência de estudos biográficos sobre seus responsáveis e

colaboradores. Questão que se liga à segunda, de ordem histórica e cultural, que

coloca o objeto nos seus contextos e confirma a partilha de linguagem, a circulação

da imagem na imprensa ilustrada, a transferência de modelos, e o alcance dos

discursos veiculados – lacunas que respondemos no caso do papel de Gautherot na

construção e difusão das representações do Brasil moderno: é assim que, a partir dos

anos 1930, periódicos são porta-vozes privilegiados de "uma nova gramática visual"

27. O ensino da fotografia se

desenvolveu na Alemanha

dos anos 1920 nas classes de

artes gráficas e de criação

publicitária, e fotógrafos fo-

ram vistos muito tempo co-

mo "fornecedores" de ima-

gens para as revistas; daí a

importância e o reconheci-

mento autoral dos designers

e tipógrafos sobre os fotó-

grafos. Cf. Olivier Lugon

(2003), que traz ainda signi-

ficativa bibliografia sobre a

questão. Observo uma gran-

de semelhança entre as pro-

pagandas e o projeto gráfico

da Módulo em relação à

francesa L'Architecture

d'Aujourd'hui, que manti-

nha um correspondente bra-

sileiro desde 1936.

28. Ver Heliana Angotti-

-Salgueiro (2005a); trata-se

de artigo que faz parte de

dossiê que coordenei com

Lygia Segala durante a vi-

gência de nossa pesquisa

para The Getty Foundation.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 27

Figura 10 – Capa da Módulo no 17, abril de 1960.

centralizada na vida cotidiana do homem-personagem, dos "tipos e aspectos" de

regiões do país28 .

Em relação à Módulo, anunciei no início deste texto que a expressão

fotográfica de Gautherot cobre temas diversos, e não apenas a arquitetura – sabe-se

que no seu acervo, a proporção de fotografias relativas à representação regionalizada

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

28

do trabalho chega a suplantar em número as relativas à arquitetura moderna. Os

fotógrafos transitam em vários campos e órgãos de divulgação, daí as trocas e os

itinerários fotográficos que coincidem, cristalizando, por extensão, "inter-iconicidades"

visuais, questão que foi central na pesquisa que realizamos com o apoio da The Getty

Foundation. A comparação de linguagens é dificultada (mas não impossível) pelo fato

da maior parte das fotografias não receber atribuição29, – constatamos que isto é

recorrente nos periódicos que tratam da arquitetura moderna. Passemos, então, aos

comentários sobre essas duas questões.

Figura 11 – Página publicitária da "Oca" em construção, projeto de Oscar Niemeyer, Parque

Ibirapuera, São Paulo. Módulo no 1, março de 1955.

29. Nos expedientes da -

dulo, nos números 1 ao 27,

de 1955 a 1962, consta o

nome de Marcel Gautherot

entre os de outros fotógra-

fos – alguns se mantêm co-

mo o de Jean Manzon (cuja

experiência anterior com

fotorreportagem na Paris

Match e Life é conhecida e

não nos interessa tratar

aqui), e que no segundo nú-

mero já aparece como pes-

soa jurídica, J. Manzon Ltda;

aliás, as fotografias de Jean

Mazon, que não assina ne-

nhuma foto na Módulo, di-

ferem do trabalho de Gau-

therot, pois inscritas

sobretudo num fotojornalis-

mo sensacionalista que este

detestava; raras exceções os

aproximam – a exemplo, as

fotos atribuídas a Manzon,

na reportagem de José Lins

do Rego, "L'Homme et le

paysage", em L'Architecture

d'Aujourd'hui, n. 42-43,

1952, na mesma linha dos

"tipos e aspectos". Ao longo

dos números da Módulo ,

outros fotógrafos colabora-

dores são citados no expe-

diente: Foto Carlos, Carlos

Botelho, Flávio Damme Al-

berto e Garbocci, sobre os

quais, ao que saiba, ainda

não existem estudos mono-

gráficos de peso.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 29

No Brasil não se conhece uma catalogação, ou um inventário sistemático

das imagens que figuraram em diferentes periódicos (especializados em arquitetura e

em outras áreas), fonte de pesquisa histórica sem equivalentes sobre a cultura do século

XX. Seria necessário, primeiramente, reconstituir séries e coleções para se chegar à

sistematização de bancos de dados onomásticos com as notas biográficas dos

fotógrafos de revistas, localizar seus arquivos, classificá-los inventariando as produções,

temas e linguagens específicas. Embora muitas fotos já sejam reconhecidas como

ícones visuais, não há uma sistematização de dados ao alcance do pesquisador – o

caminho das pedras é a regra, dada a fragmentação e perda de coleções e de

arquivos de revistas30, sem mencionar que a maior parte das fototecas, fundações,

museus e institutos do país não dispõem de um corpo fixo de pesquisadores, ou

quando dispõem, nem sempre há interesse em somar esforços31. Porém, a título de

exemplo, ao trabalhar o acervo fotográfico de Pierre Monbeig, tive oportunidade de

acompanhar discussões e levantamentos na França e participar de publicações sobre

bancos de imagens em geografia, e estudos de metodologia de análise crítica de

periódicos nessa área32 .

Apesar da existência de trabalhos recentes, inclusive sobre periódicos que

divulgam a arquitetura moderna brasileira ou sobre fotógrafos em particular33 ,

desconheço a existência de um banco de imagens que reúna todos os profissionais

nacionais e estrangeiros, com dossiês devidamente organizados sobre os edifícios

mais retratados, datas e dados sobre os múltiplos usos das fotos. Filiações, similitudes,

diferenças, circulação, tiragens e migração das fotos para outros circuitos, inclusive

os internacionais que são importantes desde o começo dos anos 1940, fariam parte

de tais levantamentos. Falta uma genealogia das reproduções sucessivas, fenômenos

de empréstimo e de persistência de modelos relativos a uma história da fotografia.

As lacunas e carências de pesquisas estendem-se àquelas relativas às

trajetórias de formação dos fotógrafos, sendo imprescindível ir além das generalidades

das cronologias, e buscar, pela pesquisa aprofundada e sem fronteiras disciplinares

e geográficas, afinar contextos de formação que possam se ligar à obra futura.

Elementos de biografia, de percurso institucional e de relações profissionais informais

devem se associar na identificação e comentário sobre as fotografias. Antes da

pesquisa que realizamos sobre Marcel Gautherot (que resultou na exposição e

catálogo mencionados), afirmava-se seu ingresso na École Nationale des Arts

Décoratifs de Paris nos anos 1920 e seu interesse pela Bauhaus, mas não se

conheciam dados que comprovassem essa escolaridade, nem declarações dele a

respeito da arquitetura moderna. Apuramos então, nos Archives Nationales, que

Gautherot estava inscrito na ENSAD entre 1925-1927, com frequência lacunar e

restrita ao atelier de arquitetura, e localizamos o único e inédito discurso seu sobre

"L'Architecture Française", proferido em Sohlberg durante um congresso franco-alemão

de jovens, em 1930, que deu pistas para conhecer suas ideias na área; publicado

em um obscuro periódico do entre-guerras, Notre Temps, esse texto evidenciou

algumas de suas leituras (como Urbanisme de Le Corbusier) e sugeriu matrizes e

referências do pensamento do futuro fotógrafo.

30. Busquei o paradeiro do

arquivo da Módulo junto à

Fundação O. Niemeyer no

Rio, que me respondeu na-

da saber a respeito. Sem

esse arquivo, não é possí-

vel reconstituir dados so-

bre tiragens, assinantes,

formas de divulgação da

revista, contratos de traba-

lho, pagamento dos fotó-

grafos, acervo de originais,

correspondências, etc.

31. Após a realização de

uma Jornada de Estudos

sobre "Patrimônio Fotográ-

fico e Coleções", que coor-

denei com Solange Ferraz

de Lima no Museu Paulista

em dezembro de 2007, en-

caminhei um projeto ao

Instituto de Estudos Avan-

çados da USP e consultei

representantes da área de

outras instituições sobre

"Patrimônio fotográfico bra-

sileiro – levantamento de

coleções públicas. Políticas

de preservação, cataloga-

ção, acesso e difusão", mas

o apoio não se concretizou.

32. Ver Heliana Angotti-

-Salgueiro (2001) e meu

capítulo "Do Arquivo ao

Banco de Dados. Documen-

tos textuais e iconográficos"

em Heliana Angotti-Salguei-

ro (2006). Nessa temática,

agradeço a assistência de

Didier Mendibil, autor de

estudos sobre iconologia

geográfica; sobre sua pro-

dução, ver especialmente

Didier Mendibil (2005,

2006).

33. Ao retomar a comunica-

ção que deu origem a este

texto, encontrei trabalhos

sobre esses campos, das

quais destaco as de Maria

Beatriz Camargo Cappello,

(2005), em que, apesar do

levantamento documental

significativo em revistas es-

trangeiras, a autora não de-

senvolve análises especifi-

cas das fotografias que,

aliás, não vão além de 1954;

e de Sonia M. Milani Gou-

veia (2008a, 2008b).

34. Localizamos na fototeca

do Museu do quai Branly

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

30

Não se faziam tampouco relações precisas entre o meio freqüentado por

Gautherot em Paris e sua provável formação fotográfica, nem se detectavam traços

das experiências vividas na Europa em sua obra, dez e vinte anos depois, no Brasil.

Por outro lado, pouco acrescentava afirmar que ele participara da instalação do

Museu do Homem em 1936 e da Exposição de 1937, se carecíamos de um

conhecimento sobre o ideário e práticas daquele museu, e sobre o ambiente cultural

e fotográfico da Paris de seu tempo, dos contextos precisos de que participou, daquela

exposição e de revistas em que publicou. A título de exemplo, a valorização do

regionalismo e da cultura material, tão presentes em publicações e no próprio evento

parisiense de 1937, sugere que seu olhar já estava preparado para registrar o

folclore, os "tipos" do Brasil, a arquitetura vernacular, temas de alguns de seus ensaios

fotográficos na Módulo .

E ainda, sobre a falta de relações de formação e trajetória, de que

adiantava saber que Gautherot havia estado no México, se não se contavam com

elementos para classificar tantas fotos desta experiência única de reportagem de

juventude, o âmbito etnográfico em que elas se inscreviam, e sua posterior difusão em

revistas francesas de destaque nos anos 1938-194034 ?

Não se reconheciam nem se situavam seus contatos em relação às

linguagens da fotografia do entre-guerras (como a Nova Visão e a Nova Objetividade,

já mencionadas aqui), os ângulos oblíquos emprestados a René Zuber que esteve

também na Alemanha, e os gros plans realistas de detalhes, na linha de um Albert

Renger-Patzsch – caso das fotos da flora brasileira que destaquei na exposição e

catálogo de 2007 – essas e outras imagens permaneciam desconhecidas e mudas,

desligadas de vivências anteriores tão fundamentais. Hoje, devidamente identificadas

e contextualizados elas inscrevem o fotógrafo e seus procedimentos em uma história

internacional da fotografia35 .

Como, afinal, se podia estudar Gautherot sem considerar a experiência

do deslocamento como hiato, sem redimensionar em suas devidas proporções a

mudança para o Brasil, e perceber a volta, decênios depois, de linguagens

experimentadas por muitos fotógrafos de sua geração, mas que já não eram mais

praticadas por eles nos anos 1950-60, como acontece com ele no Brasil? Não

podíamos nos furtar de dimensionar o salto afirmativo do "exílio" na carreira que se

consolida, a relação "exílio e criação" no processo de re-fundação profissional do

outro lado do Atlântico, a legitimidade de exercício do métier tecida graças às

amizades nos meios institucionais, aos laços com figuras de destaque nacional:

Niemeyer, Rodrigo Mello Franco, Edison Carneiro, Burle-Marx... Entre arquivos e

coleções diversas, muitas respostas foram dadas e lacunas preenchidas, mas ainda

restam questões a partir delas, para melhor iluminar as histórias pessoais que se cruzam

em itinerários de elaboração das convenções de representação do país36 .

Voltando ao estágio das pesquisas e sugestões de caminhos metodológicos

a tomar no estudo sobre periódicos: constatei resultados mais ou menos recentes sobre

os levantamentos relativos às revistas de urbanismo e de arquitetura dos séculos XIX e

XX na França, bem como aos acervos de fotografias, comprovando que a empreitada

em Paris, 29 clichês inéditos

de Marcel Gautherot feitos

no México e colados em fi-

chas de identificação seguin-

do os códigos de classifica-

ção do Museu do Homem,

dos quais alguns fazem par-

te do acervo do IMS; identi-

ficamos ainda mais fotos

suas dessa viagem, em pu-

blicações como o álbum

Photographie AMG e as re-

vistas Paris Magazine, Voilà

e Cahiers d'Art. Ver Heliana

Angotti-Salgueiro (2007b).

Em exposição sobre Manuel

Álvares Bravo, no IMS, no

Rio de Janeiro, em 2011, fo-

ram incluídas algumas des-

sas fotografias de Gautherot,

mas nenhuma menção foi

feita aos dados da pesquisa

que levantei com Lygia Se-

gala em 2004-2006, que pos-

sibilitou a mencionada iden-

tificação das fotos feitas no

México. Ver Lygia Segala, "A

viagem ao México - primeira

reportagem fotográfica", in

Heliana Angotti-Salgueiro

(2007b).

35. Considerações sobre sé-

ries nas pranchas-contato de

Gautherot foram desenvol-

vidas em Angotti-Salgueiro

(2007), especialmente por

Olivier Lugon (2007c), ten-

do sido citadas em obra re-

cente sobre Lucien Hervé,

fotógrafo de Le Corbusier;

ver Béatrice Andrieux/

Quentin Bajac/Michel Ri-

chard/Jacques Sbriglio

(2011, p. 11-16).

36. Retomo nos parágrafos

anteriores algumas questões

presentes em Heliana An-

gotti-Salgueiro (2013b).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 31

não é impossível37 – instrumentos de pesquisa têm se constituído na busca de métodos

críticos de análise (e não só relativos à arquitetura). Desses levantamentos apreendemos

diretrizes fundamentais (que hoje nos parecem óbvias), integrantes ou complementares

de estudos monográficos, sintetizadas nos passos seguintes: – estabelecer um repertório

dos títulos, os anos de circulação e as interrupções (a periodização), levantar os temas

evocados e as rubricas regulares, as linhas de orientação editorial, a biografia

intelectual dos autores e pessoas envolvidas, os temas mais frequentes, as tiragens, as

formas de consumo (assinantes, e distribuição), a presença das fotografias, os códigos

de representação, seus autores, as repetições de ilustrações de uma revista à outra,

as sessões – artigos, resenhas, bibliografias, publicidade, cuja prática nas revistas de

arquitetura, a Módulo entre tantas, persiste; enfim, ao historiador que se debruça sobre

tais documentos interessa não só o discurso central, mas tudo o que é periférico a ele,

do projeto gráfico às fotografias, manipuladas pelo trabalho do diagramador, em

particular cortes e recortes.

Ao cotejar as fotografias de Gautherot na Módulo com as das pranchas-

contato do seu acervo no IMS, encontramos marcas de lápis nestas últimas sugerindo

sua participação nos cortes feitos nas fotos publicadas (ver exemplos mais adiante).

Ele fotografava com a Rolleiflex, resultando em imagens de formato quadrado – ora,

sabe-se que no final dos anos 1950, a maioria dos fotógrafos já havia abandonado

essa câmera, pois inapropriada para a reportagem, daí os inúmeros cortes para tornar

retangulares as tomadas.

A segunda questão que anunciei, de ordem contextual, confirma

historicidades partilhadas de linguagem figurativa em torno das representações do

Brasil. Os periódicos profissionais bem como as revistas de fotorreportagem participam

ao mesmo tempo da atualidade como vetores de informação e como meio de difusão

de convenções visuais. Módulo começa a circular em março de 1955, meses antes

da posse de Juscelino Kubitschek em janeiro de 1956, que marca a era de otimismo,

de auto-confiança que se instala no país, de um governo que se define por uma

política econômica nacional-desenvolvimentista, pela propaganda oficial de

realizações de "cinquenta anos em cinco", de um Programa de Metas em torno da

energia, transportes, alimentação, indústrias de base e educação, coroado com a

meta-síntese que revolucionaria a geopolítica do espaço territorial do país, a construção

de Brasília. Em março de 1956, a Módulo no 4 exibe uma entrevista exclusiva com

o presidente JK sobre a arquitetura moderna (com várias fotos sem identificação), que

explicita a vocação principal da revista – ser a vitrine da construção da nova capital

e do espírito entusiasta daqueles anos.

No que tange à política cultural, o conhecimento do país e a construção

de sua imagem apoiados num mercado editorial em franca expansão e em institutos

e órgãos voltados para as ciências do homem, começara decênios antes, com o

nacionalismo da era Vargas (o surgimento das universidades, sabe-se, situa-se também

aí) – mas se algumas representações passam por uma estabilização lenta, outras estão

destinadas a marcar presença no período, a se tornarem paradigmáticas da afirmação

de uma busca de autonomia e "originalidade" culturais do Brasil38 .

37. Sobre a iconografia de

livros e periódicos referen-

tes ao urbanismo, ver Hélè-

ne Jannière (2007). Sobre

levantamentos de periódicos

de arquitetura, embora mais

voltados para o século XIX,

ver Jean-Michel Leniaud e

Béatrice Bouvier (2001).

38. Esse voluntarismo de

auto-representação cons-

ciente e organizada em vá-

rias frentes de construção de

imagens emblemáticas, foi

objeto de artigos do dossiê

"Representações do Brasil:

da viagem moderna às cole-

ções fotográficas", que orga-

nizei nos Anais do Museu

Paulista, em 2005, quando

se buscou associar os siste-

mas iconográficos de Mário

de Andrade, Percy Lau, Pier-

re Monbeig e Marcel Gau-

therot; ver Heliana Angotti-

-Salgueiro (2005b).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

32

Reportagens fotográficas de Gautherot na Módulo: cultura popular, natureza e

modernismo

Passemos aos aspectos precisos do conteúdo da Módulo ,

especificamente às fotografias de Gautherot, atribuídas ou reconhecíveis como

suas: primeiro as dos ensaios específicos, depois as fotos avulsas, e para concluir,

as fotografias de Brasília; atente-se que a identificação da autoria é sempre

ocasional, tanto em reportagens especiais como em clichês avulsos.

Na Módulo no 1, ele faz seu primeiro ensaio fotográfico, mas sem

atribuição de autoria, em artigo autoral de Gastão Cruls, "Bonecas Carajá" – são

nove contatos que estão entre os raros de seu acervo tirados no estado de Goiás,

na Ilha de Bananal, em torno de 1953, em que uma índia Carajá modela, pinta

e apresenta esculturas de cerâmica conhecidas pelo nome de "licocó" (Figura 12).

Algumas estão na coleção do MinC/IPHAN, sob guarda do Arquivo Noronha

Santos, classificadas como "Etnografia/Arte indígena". A sequência segue

recomendações do registro etnográfico do trabalho de campo, na medida em que

constitui "um documento vivo da observação"39, descrevendo as etapas da

produção do objeto, sem artifícios e encenações. Porém, a autenticidade das cenas

e a invisibilidade do fotógrafo, recomendações incontornáveis do gênero, caem

por terra na tomada em que o seio da índia é desnecessariamente desnudado:

aqui Gautherot deixou-se levar pelos critérios do fotojornalismo.

Neste mesmo número, destaco outro artigo, "As casas sobre palafitas

do Amazonas" assinado por Joaquim Cardozo, que mostra quatro clichês sem

atribuição, semelhantes aos de contatos do acervo do fotógrafo. Uma casa da

mesma série figura anos depois, na capa de uma revista francesa, Aujourd'hui. Art

et Architecture, em número especial sobre o Brasil40, dividindo o espaço com um

exemplar da arquitetura de Brasília, e confirmando a dualidade do "Brasil, terra

de contrastes", tão ao gosto dos anos 1950 (Figura 13).

A temática volta na Módulo no 5, de setembro de 1956, no artigo

"Arquitetura Popular no Brasil", novamente assinada por Joaquim Cardozo, incluindo

além das casas sobre palafitas da Amazônia do artigo anterior, casas de favelas

do Rio, e casas de palha no Maranhão (Figura 14). O autor do texto afirma querer

ir além do interesse já reconhecido pelos "aspectos antropológicos e etnográficos"

dos "barracos, mocambos e palafitas construídas pela população menos favorecida

das cidades", e destaca nessa "legítima manifestação da arte popular", valores

arquiteturais e construtivos: a tipologia variada das varandas, particularidades no

emprego de materiais, e soluções para terrenos abruptos e alagados, "únicos à

disposição desta gente sem recursos". Desta feita, seis fotos são atribuídas a Marcel

Gautherot e a Franceschi, e uma vista aérea é de Alfredo Mueller.

A arquitetura vernacular, os traços materiais da habitação rural estudados

pela geografia cultural francesa nos anos 1930 eram do conhecimento de Gautherot:

em 1937, é ele quem fotografa a exposição de Albert Demangeon (curador) e

Georges Henri Rivière (museólogo), denominada La maison rurale en France, no

39. Cf. palavras de Edison

Carneiro quando se referia à

pesquisa de folclore, citado

por Lygia Segala, p. 3 do

original manuscrito consul-

tado antes da publicação

(2012).

40. Ver Aujourd'hui. Art et

Architecture (1964).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 33

Figura 12 – Página da reportagem "Bonecas Carajá", Módulo no 1, março 1955, com fotografias

de Marcel Gautherot sem atribuição de autoria.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

34

âmbito de seu trabalho como arquiteto-decorador das novas montagens de vitrines e

painéis do Museu do Homem. Lygia Segala encontrou 41 fotos inéditas de Gautherot

no arquivo do antigo Musée des Arts et Traditions Populaires41, justamente sobre uma

fazenda industrial perto de Paris, "la ferme du Manet" (localizada no departamento

de Seine et Oise), e observa que "algumas fotos foram ampliadas na mostra de 1937

e a série serviu de base para a construção de uma maquete, distinguida no catálogo".

Reconhecendo seis fotografias de Gautherot no catálogo da exposição de

Demangeon, embora sem atribuição de autoria, Segala situa aí o "primeiro exercício

sistemático sobre fotografia e arquitetura" do fotógrafo42 .

A Exposição Internacional de Artes e Técnicas na Vida Moderna, de

1937 em Paris, cujos pavilhões foram retratados para um álbum assinado por Pierre

Verger, permitiu que muitos artistas encontrassem trabalho, em plena crise econômica.

Anunciava-se a criação do Musée des Arts et Traditions Populaires, no 1er Congrès

International du Folklore realizado durante a Exposição, que abrigou também a

referida mostra de Demangeon fotografada por Gautherot. Sublinham-se entre os

ideais da época, o estudo das representações nacionais, a necessidade de

documentar o social, de mapear as manifestações regionais em registros comparativos

das práticas da cultura material e imaterial pela fotografia, pautada pela autenticidade

e a espontaneidade, captando a dinâmica dos movimentos sem pose – este discurso

foi internalizado por Gautherot nos meios parisienses do Museu do Homem, e

reforçado mais tarde diante das expectativas dos comanditários à frente destas

Figura 13 – A arquitetura vernacular e a moderna, em fotos atribuídas a Marcel Gautherot na capa

da revista Aujourd'hui. Art et Architecture, no 46, julho de 1964.

41. A pesquisa de Lygia Se-

gala no Musée des Civilisa-

tions de l'Europe et de la

Méditerranée (Service Histo-

rique Inventaire des Photos,

1936-1942) foi feita no âm-

bito de um Pós-Doutorado

(bolsa da Capes) na França,

em 2008.

42. Cf. Lygia Segala (2010).

Observamos, porém, a atri-

buição presente nos anais

do Travaux du Ier Congres

International de Folklore,

publicação do Musée des

Arts et Traditions Populaires

de 1938; no caso, a primeira

prancha, uma vista da expo-

sição de Demangeon, é atri-

buída a Gautherot.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 35

manifestações no Brasil; de um lado, essas temáticas respondiam às suas próprias

convicções de homem de esquerda, marcado pela origem modesta, e, de outro,

afiguravam-se como oportunidade de trabalho na convivência com intelectuais

identificados com as expressões da cultura nacional, a serem então preservadas pela

fotografia43 . Daí associarmos a esses ideários suas séries documentais sobre o

Figura 14 – Fotografias com indicação de autoria a Marcel Gautherot, no artigo "Arquitetura Popular

no Brasil", na Módulo no 5, ano 2, setembro de 1956.

43. Segala vem pesquisando

esses temas desde seu traba-

lho como coordenadora do

acervo fotográfico do Insti-

tuto Nacional do Folclore

(Funarte), no final dos anos

1980. Ver, sobre sua produ-

ção, Lygia Segala (1999,

2001, 2007a, 2007b, 2010,

2012). Destaquei a arquite-

tura popular (casario das

cidades coloniais mineiras)

como objeto das fotografias

de Gautherot paralelamente

ao seu trabalho de registro

dos monumentos históricos

a serviço do SPHAN (igrejas

e estatuária do Aleijadinho),

divulgadas internacional-

mente nos livros de Ger-

main Bazin e em periódicos

sobre arquitetura. Não con-

fundir a arquitetura vernacu-

lar com a regionalista, abo-

minada pelo fotógrafo no

seu discurso de juventude

sobre a arquitetura francesa

no congresso de Sohlberg,

em 1930, seguindo as postu-

ras de Le Corbusier.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

36

artesanato, as feiras, os folguedos populares, os jogos e as festas religiosas e

profanas, levantadas em viagens comissionadas a diferentes regiões do Brasil,

especialmente no Norte e no Nordeste.

Tema fundamental e incontornável na obra fotográfica de Marcel Gautherot

a partir dos anos 1950, as manifestações folclóricas são objeto de seus mais

importantes ensaios fotográficos na Módulo, presentes também em outras revistas.

Vivia-se desde o final dos anos 1940 um período de plena valorização e de estudos

da Campanha Nacional do Folclore; destacam-se nas reportagens, sequências

fotográficas narrativas do desenrolar das festas, de detalhes da indumentária, suas

máscaras, penas, adereços, bandeiras e bastões, em meio a textos narrativos que

associam partituras, cantilenas e versos, assinados geralmente por representantes

eminentes do movimento folclórico brasileiro ou dos demais círculos cultos do país. É

o caso da Módulo no 2, em que figura o primeiro artigo, "Bumba-meu-boi maranhense",

com texto de Joaquim Cardozo e cinco fotos, todas publicadas com cortes em relação

aos originais das pranchas-contato de Gautherot, procurando a aproximação do

motivo principal, conforme apurei na pesquisa comparativa (Figura 15).

O fotógrafo trabalha a serviço dos expoentes do movimento folclórico

brasileiro e busca captar a naturalidade e a fugacidade das representações, ciente

da eminência do seu fim: "Deixo o povo viver enquanto trabalho (...). O folclore

clássico estava desaparecendo, tinha que documentar isso"44. Ao fotografar as

festas, Gautherot buscava passar despercebido e a acostumar o outro com sua

câmera no registro sequencial da coreografia das lutas e das danças dramáticas

– porém, a invisibilidade revela-se muitas vezes difícil nos retratos dos figurantes

que não se furtam de fixar a objetiva. Segala observa que "na maior parte dos

casos, o sentido da ação reclama uma legenda textual"45 – carência observada

nas reportagens do Bumba-meu-boi – e a falta de relação direta entre texto e

imagens, torna-as apenas "ilustrativas" dos artigos.

O tema reaparece na Módulo no 9, de fevereiro de 1958, sobre o

"Bumba-meu-boi de Camassari", vilarejo a 40 km de Salvador (Figura 16); trata-se

de um longo artigo, de Renato Almeida, seguido da tradução em inglês, com cinco

fotos de Gautherot, que ocupam quase a página inteira, desta vez devidamente

atribuídas. A inclusão de fragmentos de partituras e a descrição criteriosa

evidenciam a importância do autor, etno-musicólogo e estudioso da música popular

brasileira ligada ao folclore.

Na Módulo no 10, há um outro artigo sobre manifestações folclóricas,

"Dança de Moçambique", com texto de Maria de Lourdes Borges Ribeiro,

conhecida folclorista nascida no Vale do Paraíba (Aparecida, SP), ilustrado com

quatro pequenas fotos, sem atribuição – note-se que existe uma série sobre a

temática no acervo de Marcel Gautherot no IMS.

Em dezembro de 1958, na Módulo no 11, há um artigo sobre O

"Guerreiro" das Alagoas, com texto do folclorista Theo Brandão, e nove fotos sem

identificação, embora sejam todas da autoria de Gautherot, sob layout que também

diminui sensivelmente as dimensões das imagens. A multiplicidade dos movimentos,

44. A frase de Gautherot

inscreve-se na crença da fo-

tografia como dispositivo de

preservação, e vem da entre-

vista concedida a Segala no

Rio de Janeiro, a 7 de de-

zembro de 1989, a propósito

dos arquivos fotográficos do

então Instituto Nacional do

Folclore (Funarte). Sobre

essa acepção da fotografia

documental, ver Olivier Lu-

gon (2007a).

45. Cf. Lygia Segala (2007a,

p. 239).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 37

Figura 15 – Fotografias de Marcel Gautherot (sem indicação de autoria) no artigo "Bumba-meu-boi

maranhense", Módulo no 2, agosto de 1955.

os detalhes da indumentária, dos instrumentos bem como os personagens são

destacados nas séries e subséries das pranchas-contato do acervo do fotógrafo

consultadas para comparação – em relação a elas as imagens selecionadas no

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

38

Figura 16 – Página do artigo "Bumba-meu-boi de Camassari", com fotografias atribuídas a Marcel

Gautherot, Módulo no 9, fevereiro de 1958.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 39

artigo são poucas. A dinâmica do desenrolar dos folguedos perde parcialmente

sua força narrativa, ou seja, não se percebe a démarche de captar o tema do geral

para o particular, até o retrato dos figurantes, característica a muitas das sequências

do fotógrafo, retratos que nesta temática merecem especial registro por suas

qualidades plásticas (Figura 17).

Figura 17 – Página do artigo "O Guerreiro das Alagoas", com fotografias de Marcel Gautherot sem

identificação de autoria, Módulo, no 11, dezembro de 1958.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

40

Na reportagem sobre a "Capoeira" publicada na Módulo no 4, de

março de 1956, com texto do folclorista Édison Carneiro, o nome de Marcel

Gautherot é destacado em negrito no resumo traduzido em várias línguas, como

"autor das fotografias que dão uma idéia da sucessão dos golpes e contra-golpes

característicos deste jogo de vadiagem" (Figura 18). Na comparação das

fotografias da Módulo e da Revista Brasileira de Folclore durante a pesquisa em

2005, foi constatada por Lygia Segala e pela autora deste artigo a repetição das

Figura 18 – Página do artigo "Capoeira", com fotografias atribuídas a Marcel Gautherot, Módulo no

4, março 1956.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 41

mesmas fotos nestas e em outras reportagens, confirmando sua circulação e a

validade paradigmática da representação durante anos46. As séries de registro da

capoeira, esse "patrimônio imaterial do Brasil", são exemplares da fotografia sur

le vif, da linguagem cinematográfica que fixa as sequências, a "soma de

instantâneos" e a "multiplicidade de pontos de vista para reconstituir um contexto

e uma duração", próprios da foto documental47. O texto é pequeno e as fotografias

predominam, embora passem também por cortes de enquadramento de detalhes

e de aproximação dos jogadores ou dos tocadores de berimbau, cortes que

interrompem as perspectivas e a profundidade do espaço circundante – areia, mar

e céu – com o estreitamento do campo em que a dupla se movimenta; o sol a pino

traz sombras no chão, e um efeito de cenário é criado pelo fotógrafo. Lygia Segala

observa ainda sobre essas séries que "a idéia da exaustividade recomendada nos

manuais etnográficos instiga o refazer de imagens idealmente complementares nas

séries – não há datas precisas nas pranchas de contatos do acervo, e a

descontinuidade da numeração dos contatos indica que foram feitos em tempos

diferentes (Gautherot costumava voltar aos lugares para completar suas séries)

buscando contornar as fraturas da narrativa ou do exercício descritivo"48.

As fotografias do artigo "Carrancas de proa do Rio S. Francisco" na

Módulo no 3, dezembro 1955, apresentam essas figuras zoo-antropomórficas

esculpidas na madeira, à frente de barcos, e exemplificam características básicas do

gênero "fotorreportagem": elas primam sobre o texto, ganham independência em

relação a ele e reconhecimento de sua plasticidade como forma de arte, explodindo

em proporções, justaposições e recortes arbitrários, que escapam das tomadas

originais do fotógrafo (Figura 19). Lê-se no início do texto que estamos diante de

"uma série de fotografias expressivas feitas por Marcel Gautherot" – a série é longa

para os padrões das demais reportagens, ocupa 10 páginas, e apresenta um layout

inovador (caderno menor sobreposto, com close de quatro carrancas diferentes, cujas

fotos "sangram" a página). A temática é apresentada como "uma das modalidades

da arte popular mais interessantes e genuínas do Brasil". O texto de um colaborador

do DPHAN, Hermann Kruse, remonta aos anos 1940, e sua presença na Módulo ,

anos depois, sinaliza as relações estreitas entre os intelectuais, artistas, arquitetos

modernistas e responsáveis pelo patrimônio. As fotos de Gautherot constituem a mais

completa coleção sobre esta arte popular que então desaparecia, visto que

documentou cerca de trinta barcas com as figuras que representavam personagens

mitológicos do rio. Em 1947, ele já havia publicado uma reportagem fotográfica

sobre as carrancas na revista O Cruzeiro (Figura 20); em 1950 na primeira edição

francesa do livro Brésil, editado por Paul Hartmann em Paris, figuram três fotos, e em

1957 a Revista Shell também inclui fotos de suas séries. Em 1964, elas são numerosas

em Aujourd'hui, Art et Architecture (no 46), número que é, aliás, uma síntese dos temas

fotografados por Gautherot, também presentes na Módulo, comprovando a circulação

das imagens em diferentes periódicos, e a longa duração da recepção das mesmas

representações do Brasil.

46. Lygia Segala (2012) ob-

serva "como exemplo dessa

circulação [que] uma das

fotos de Gautherot, (010BA-

CE01665), publicada na re-

vista Módulo é a mesma que

aparece na Revista Brasilei-

ra de Folclore, n. 4, jan./abr.

1963, com outros recortes

de edição. Ela integra a cai-

xa de fotografias encomen-

dadas ao fotógrafo, em

1973, pelo Ministério das

Relações Exteriores do Bra-

sil, para distribuição nas

principais embaixadas brasi-

leiras. É mostrada ainda, em

Paris, na exposição Dances

et théâtres populaires du

Brésil que inaugurou, na Sa-

la Sarah Bernhard, o Festival

International de Théâtre de

1957. São ainda de Gauthe-

rot as fotos que ilustram o

texto do surrealista Benjamin

Péret, militante comunista,

amigo de André Breton." Cf.

p. 17 do manuscrito gentil-

mente cedido para este tra-

balho.

47. Cf. Olivier Lugon (2001,

p. 248), citadas por Lygia Se-

gala (2012).

48. Cf. Lygia Segala (2012),

p. 10 do manuscrito.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

42

Figura 19 – Página do artigo "Carrancas de proa do Rio S. Francisco", com montagem de fotografias

recortadas de Marcel Gautherot, Módulo no 3, dezembro de 1955.

Figura 20 – Páginas da revista O Cruzeiro, reportagem sobre as carrancas do Rio São Francisco,

com fotos de Marcel Gautherot, Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1947.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 43

A pesquisa sobre as fotos das carrancas nos arquivos do SPHAN

realizada por Lygia Segala49 evidenciou que o carimbo do fotógrafo no verso ainda

trazia seu endereço parisiense, pesquisa que possibilitou a indicação de dados

valiosos como datas e roteiros de viagem – em 1943, Gautherot já viajava pelo

rio, passando por "Lapa, Barra, Casa Nova, Remanso, Petrolina, Juazeiro". Sabe-

se que ele voltou à região em 1946, em companhia de Verger, pois há registros

conhecidos em que os dois fazem retratos um do outro fotografando carrancas, em

Bom Jesus da Lapa.

Esse número 3 da Módulo continua exemplar do conteúdo variado

presente no periódico, pois os artigos versam sobre uma fazenda do ciclo do café,

por Rodrigo Mello Franco de Andrade; o mosaico moderno de Paulo Werneck; e

o plano urbanístico de Moscou. Traz também dois artigos específicos sobre

arquitetura: um sobre novos projetos executados, e o outro, "Problemas atuais da

arquitetura brasileira", assinado por Oscar Niemeyer, precedido da foto avulsa

p/b da igreja da Pampulha, de 1942, que traz a autoria de Marcel Gautherot,

sendo essa foto retomada em publicações internacionais, hoje livros clássicos do

modernismo, como Latin American Architecture since 1945, de Henri-Russel

Hitchcock (Figura 21).

Figura 21 - Página dupla do livro de Henry-Russel Hitchcock, Latin America Architecture, since 1945, representando a Igreja de São

Francisco (Pampulha, Belo Horizonte), obra de Oscar Niemeyer fotografada por Marcel Gautherot, em 1942.

49. Ver Lygia Segala (2007b,

p. 230).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

44

Esta igreja já era então, após o edifício do MES, outro ícone da

arquitetura brasileira, graças às suas peculiaridades: o volume escultural das formas

curvas, o uso do azulejo como revestimento externo por Portinari, bem como seus

murais internos pintados, sintetizam a chamada "integração das artes" do

modernismo, tendo sido a capela objeto de fotografia colorida no número especial

"Brésil", em L'Architecture d'Aujourd'hui, de 1947 (a que já fiz referência). O

conjunto da Pampulha pode ser considerado um marco fundador da associação

do arquiteto com o fotógrafo, que continuará a ser convocado pelo primeiro, mais

de dez anos depois, para documentar a construção das obras de Brasília, como

veremos mais adiante.

Seguem-se, ainda nesse no 3 da Módulo, um longo artigo de Lúcio

Costa sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro acompanhada de croquis, e

uma apresentação de Cândido Portinari dos seus "gigantescos painéis para o

edifício da ONU". Tal elenco de temas demonstra a preocupação da revista em

exibir o nacionalismo na arte, a busca do que é "brasileiro", o registro das

representações e práticas coletivas, urbanas e rurais, materiais e imateriais, o

compromisso com a atualidade das artes plásticas e o destaque de seus porta-

vozes, além dos caminhos da arquitetura e descaminhos do urbanismo.

Neste particular, a série do artigo "Em defesa da cidade", publicada

nos primeiros números indica que os redatores querem denunciar a direção que

vem tomando a política urbana – o "Report on Brazil", da Architectural Record

(1950), já havia destacado a negligência em relação à habitação e a falta de

planejamento das cidades no país. O terceiro artigo da série, também na Módulo

no 3, apresenta-se com três fotos avulsas atribuídas a Gautherot, que mostram o

começo da transformação do skyline do Rio de Janeiro, enfocando as primeiras

estruturas de concreto que sobem na enseada de Botafogo, fruto "do estado

lastimável de nossas cidades, entregues ao descaso dos poderes públicos e à ação

nociva do comércio imobiliário"50. Desde o primeiro artigo, na Módulo no 1,

reivindica-se um "plano-diretor que fosse ao mesmo tempo um plano protetor",

"baseado no homem em movimento e na maravilhosa paisagem", a criação de

uma comissão para "preservar o panorama", o "perfil dos morros", a "moldura" de

suas montanhas, a "integridade dos morros que constituem essa moldura", "procurar

defender o que ainda nos resta, o que ainda não conseguiram destruir". As soluções

sugeridas deveriam corresponder à paisagem da cidade, pensadas "como Le

Corbusier o fez em 1937" (sic). (Figura 22). Esse gênero de fotografia sobre os

problemas urbanos contemporâneos não é comum no acervo de Gautherot, mas

não poderia faltar na Módulo, pois era um tema dos congressos de arquitetura,

herdado das vanguardas européias.

Outra temática bem representada fotograficamente por Gautherot na

revista refere-se a aspectos da natureza brasileira: "das suas primeiras aproximações

com o país, viajando pela Amazônia, o que o seduz – revela – é a largueza das

matas intrincadas e das águas, o excesso da luz"51. Já no México, em 1936, ele

havia enquadrado personagens e cenas com plantas nativas, o agave gigantesco

50. A expressão é de Oscar

Niemeyer (1955b, p. 21) ao

tratar dos problemas da ar-

quitetura brasileira, na rubri-

ca Urbanismo; as demais

expressões do parágrafo

seguinte são da série de ar-

tigos "Em defesa da cidade",

Módulo no 1 e Módulo no 3,

sem assinatura, que exibe as

fotos de Gautherot.

51. Observação de Lygia Se-

gala, p. 2 do manuscrito

gentilmente cedido para

consulta, antes da publica-

ção (2010). Sobre a questão,

ver também meu capítulo

"Paisagem, natureza, flora",

em Heliana Angotti-Salguei-

ro (2007b, p 189-205).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 45

Figura 22 – Página com fotografias atribuídas a Marcel Gautherot, no artigo "Em defesa da cidade",

sobre a verticalização do Rio de Janeiro. Módulo no 3, dezembro de 1955.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

46

no primeiro plano, como fará aqui com os galhos enegrecidos dos igapós. Na

Módulo no 7, de fevereiro de 1957, o artigo "A natureza faz escultura", destaca

sua autoria nas sete fotos (das quais três ocupam páginas inteiras), conferindo-lhe

foros de ensaísta visual (Figura 23). A representação de galhos, troncos secos e

raízes tentaculares na história da fotografia, de Adget a Walker Evans, passando

por conterrâneos de Gautherot e de Verger como René Zuber, inscreve-se no gênero

documentário que, no caso, associa-se ao encantamento do fotógrafo pela natureza

brasileira e explica essas imagens para além da pura opção estética. Gautherot

fez várias fotografias de mangues, como as que constam em seu photo-book – "Da

Amazônia ao Trópico de Capricórnio", que não foi além de uma classificação por

temas e fotos em diálogo, coladas em folhas de cartolina; nele, uma das aberturas

se intitulava "Personagens da Floresta", com fotos parecidas a outras que haviam

marcado os anos 1930 (vividos por ele em Paris), entre as quais a série dos

igapós, de 1956, de que uma delas é divulgada em página inteira nesse artigo

da Módulo.

Figura 23 – Página do artigo "A natureza faz escultura" com fotografias atribuídas a Marcel Gautherot,

Módulo no 7, fevereiro de 1957.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 47

As fotos de Gautherot são acompanhadas de texto de Flávio de Aquino

(arquiteto e crítico de arte, autor de vários artigos em outros números da revista)

que associa "natureza-arte-realidade", atribuindo "personalidade" e expressão

surreal e estética aos troncos que assumem "formas estranhas na luta pela

sobrevivência", e os compara ora a "animais feridos", ora a esculturas abstratas

de artistas conhecidos (Germaine Richier, Giacometti, Mingusi e Maria Martins).

Na legenda de uma das imagens atribui-se "impulso vital" a um tronco: "A figura

fantasmagórica que esboça um largo gesto para o além, tem função de monumento

escultórico na desolada paisagem; grudada no chão por pés que parecem garras,

e o corpo inclinado como que indicando um rumo longínquo aos homens que

caminham no fundo". Esqueçamos a retórica dramática do texto – a imagem

documenta os romeiros de Bom Jesus da Lapa, e a data fornecida pelo IMS é

pouco exata, 1940-45.

Nas representações dos aspectos paisagísticos da Amazônia e do sertão

brasileiro, presentes no acervo de Gautherot, não raro os homens eram incluídos na

cena pelo fotógrafo, numa espécie de "humanismo documentário", comum aos

fotógrafos dos anos 1950. O gros plan sobre troncos tentaculares, e a visão destes

na paisagem desolada das séries de contatos da Ilha Mexiana, à rede caótica de

galhos densos da floresta inundada, demonstram, afinal, o envolvimento corporal

do fotógrafo com seu objeto, especialmente no último exemplo, quando ele entra

na água e se coloca em posição que lhe permite superpor os planos habilmente:

no primeiro plano as sombras mais escuras dos galhos assumindo efeito de

enquadramento, no fundo da foto as ramagens mais claras e iluminadas, e seus

reflexos na água. O tema da flora brasileira, enfocado em várias séries do seu

acervo, volta em 1964, entre as reportagens do número especial de Aujourd'hui.

Art et Architecture, nas aproximações do "realismo" das coisas (folha de carnaúba,

tronco de paineira), na linha da Nova Objetividade do clássico Die Welt ist Schön ,

de Albert Renger-Patsch, de 1928.

Artistas brasileiros também são objeto de vários artigos desde os

primeiros números da Módulo 52 – a Gautherot são atribuídas nove fotos das

esculturas de Alfredo Ceschiatti, em exposição nos jardins da Casa das Canoas,

residência de Niemeyer53, em artigo sobre o aniversário da revista, na Módulo no

5, de setembro de 1956. Ao comparar as fotografias publicadas com a série dos

contatos originais, observei raras indicações escritas a lápis sobre os contatos

assinalando enquadramentos e cortes radicais, para focar o motivo central da

escultura, ou suas partes (rosto, torso), como nos "Acrobatas": usar o mesmo corte ;

esta foto e a das "Três graças" aparecem com destaque sangrando a página da

revista (Figuras 24 e 25).

A imagem está a serviço do layout, Gautherot se submete à encomenda

e não parece se rebelar contra as diretivas editorias, não se alinhando a fotógrafos

de sua geração neste particular (Cartier-Bresson entre eles), que se pronunciavam pela

integridade da foto proibindo cortes e enquadramentos arbitrários. A série sobre as

esculturas de Ceschiatti inclui fotografias de formato 6x9 e as tradicionais 6x6, que

52. Entre esses artistas, sem

que as fotos sejam atribuí-

das em particular, estão:

Maria Martins, José Pancetti,

Volpi, Di Cavalcanti, Porti-

nari, Amílcar de Castro, Ly-

gia Clark, Goeldi, Guignard,

e outros. Porém, esporadica-

mente nota-se uma atribui-

ção avulsa a Gautherot em

relação à cabeça esculpida

que figura em página dupla

sem texto sobre o "Monu-

mento Nacional aos Mortos

da Segunda Guerra Mun-

dial", na Módulo no 6, de

dezembro de 1956.

53. Sobre esta casa, ver He-

liana Angotti-Salgueiro

(2007a).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

48

predominam no acervo dos contatos de Gautherot; na revista há também duas vistas

gerais da exposição em volta da piscina em que a casa aparece parcialmente.

O modernismo, sabe-se, associa a arquitetura às outras artes – é a

propalada "integração das artes" presente na Módulo – o próprio subtítulo indica:

Figura 24 – Esculturas de A. Ceschiatti, na Casa das Canoas, em fotos com indicação de autoria a

Marcel Gautherot, Módulo no 5, setembro de 1956.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 49

até o no 12 é uma "revista de arquitetura e artes plásticas", nos nos 13 e 14 consta

"revista de arquitetura e artes", e do no 15 em diante "revista de arquitetura e artes

visuais no Brasil". Há referências constantes à atualidade artística de pessoas de

Figura 25 – Escultura de A. Ceschiatti, na Casa das Canoas, em foto com indicação de autoria a

Marcel Gautherot, Módulo no 5, setembro de 1956.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

50

círculos ligados ou não a seus redatores – as omissões e os destaques não são

jamais inocentes nesses casos, reafirmando redes de relações pessoais ou

institucionais. Tomemos o caso da reportagem da Módulo no 4 sobre o "jovem

fotógrafo profissional" Otto Stupakoff, que busca a fotografia "como verdadeira

forma de arte", e se representa na foto como um dândi de camisa social e gravata

(sabe-se que ele se notabilizou em portraits e como fotógrafo de moda), com

condições de construir um moderno ateliê "projetado por ele", retratado na matéria.

O texto laudatório, típico de matéria paga, promocional, ou dado a relações com

membros da revista, destaca seus estudos nos Estados Unidos, na Art Center School

de Los Angeles; não se pode imaginar Marcel Gautherot em uma reportagem desse

gênero: de origem modesta, simpatizante do comunismo, aprendeu o métier na

prática, nos meios intelectuais parisienses dos anos 1930, e mais tarde, uma vez

no Brasil, enquanto funcionário intermitente do SPHAN, estava em constante

deslocamento, como os demais fotógrafos de sua geração, revelando e

armazenando suas fotografias em condições precárias. Gautherot vem de outra

geração, pouco preocupada com a promoção social de si e da profissão. A

serviço de Niemeyer na Módulo, fornecia fotos sobre a cultura material e imaterial

e, especialmente sobre a arquitetura, gênero que foi muito tempo considerado

trabalho de um "artesão tecnicamente competente"54 e não de um "artista

profissional" como o exemplo acima.

Uma série de fotografias avulsas de arquitetura sem identificação, em

caderno especial incluso no artigo de Oscar Niemeyer denominado

"Considerações sobre a Arquitetura Brasileira", na Módulo no 7, de fevereiro

de 1957, são reconhecidamente de Marcel Gautherot. As considerações e

croquis do arquiteto dialogam com fotografias de obras exemplares e incluem

mesmo um panorama de Ouro Preto, lembrando a relação entre tradição e

modernidade que animava intelectuais e artistas brasileiros daquela geração

(Figuras 26 e 27).

O artigo apresenta-se crítico e didático e denuncia o "baixo nível

arquitetônico", o "emprego inadequado de certos materiais e o abuso de

formas", erros de escala e proporção de elementos característicos de "nossa"

nova arquitetura, apropriados "lamentavelmente" em pequenas "casas modernas"

de "gosto popular". O artigo explica ainda a substituição dos pilotis pelas

colunas em "V" ou em "W" em grandes obras, não só brasileiras (Parque

Ibirapuera em São Paulo, Feira da Reconstrução em Berlim, Hospital Sul América

no Rio, Conjunto JK em Belo Horizonte, Unité d'Habitation, em Marselha), reitera

elogios a Le Corbusier, e destaca os demais elementos da arquitetura moderna

como o emprego racional de arcos conjugados, de coberturas, de brises-soleil

e de outros elementos de acabamento externo (azulejos no MES, cerâmicas das

fachadas do Parque Guinle), e a condição fundamental dos projetos modernos,

ou seja, de disporem de espaços livres e de jardins. As fotografias parecem ter

sido escolhidas para o texto e o reforçam, sugerindo o entendimento entre o

arquiteto e o fotógrafo, autor da maior parte delas.

54. Expressão de Véronique

Boone (2005).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 51

Figura 26 – Seleção de fotografias do artigo de Oscar Niemeyer "Considerações sobre a Arquitetura Brasileira",

Módulo no 7, fevereiro de 1957.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

52

Figura 27 – Seleção de fotografias do artigo de Oscar Niemeyer "Considerações sobre a Arquitetura Brasileira",

Módulo no 7, fevereiro de 1957.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 53

O nascimento fotográfico de Brasília

A encomenda para fotografar a construção da nova capital foi um

momento decisivo na carreira e difusão nacional e internacional da obra de Marcel

Gautherot como fotógrafo da arquitetura moderna, trabalho que havia começado

no Rio e em Minas Gerais nos anos 1940, registrando as obras de Niemeyer e a

de outros arquitetos, cujas fotografias já estavam presentes em números especiais

de revistas estrangeiras, como foi mencionado neste artigo.

Módulo foi um veículo de grande relevo para a consagração nacional

e internacional definitiva do modernismo arquitetural brasileiro55, tendo sido criada,

de fato, para funcionar como suporte de divulgação da construção de Brasília,

tema que ocuparia cada vez mais espaço na revista. Vimos que sua política

editorial foi marcada por um desejo de internacionalizar-se e de ser moderna e

que, nas matérias, a nova arquitetura coabita com a valorização de tradições

culturais de cunho regionalista (associação que se manifesta em alguns países, não

apenas no Brasil, desde os anos 1930), considerando-as como partes da simbiose

afirmativa da identidade nacional.

O ano de 1955 pode ser considerado como a abertura de uma nova

fase de reflexão e de maturidade da arquitetura de Niemeyer, após o período em

que monografias e revistas internacionais já haviam discutido e divulgado sua obra,

incluindo fotos de Marcel Gautherot. Niemeyer cria então seu próprio veículo de

imprensa para difundir suas idéias, seu trabalho, o de seus companheiros, e os

princípios da nova arquitetura brasileira56, intenção explícita nos artigos críticos

assinados por ele e na importância conferida aos números da Módulo sobre a

construção de Brasília, evento para o qual deviam voltar-se os olhos do mundo. Na

abertura da Módulo no 8, de julho de 1957, assinala-se "Edição especial: Brasília

a nova capital do Brasil, tiragem de 11.000 exemplares, texto em português e

alemão, e uma separata em francês e inglês". Mais tarde, na Módulo no 18, de

junho de 1960, comprova-se o alcance da inauguração na "imprensa mundial",

com a publicação de três páginas com recortes de diversos jornais internacionais

noticiando o feito (Figura 28).

A revista revelou-se (no sentido fotográfico da palavra), um dispositivo

que conseguiu tornar visível a "cena arquitetural" geograficamente localizada, mas

inserida num movimento internacional, estratégia de todo periódico de arquitetura

moderna57 . Os primeiros passos para essa revelação de Brasília começaram na

Módulo no 6, de dezembro de 1958, seja no design da capa ou nas fotos das

maquetes e dos esboços (atribuídas a Flávio Damm), seja em artigos relativos ao

"Palácio Residencial", cujo projeto se modificaria logo depois.

A capital vai então tomando forma e se impondo nas representações

combinadas pelo projeto gráfico no espaço da página – a mis en scène da

arquitetura moderna em fotos de montagens de croquis associados às maquetes de

projetos faz parte do processo de intencionalidade de sua visualização nas

revistas58 ; Niemeyer assim procede, além de criar muitas das legendas explicativas.

55. Sabe-se que a revista -

dulo era voltada para as

obras do Rio de Janeiro e

em seguida para as de Bra-

sília; no caso do modernis-

mo paulista, a referência é a

revista Acrópole .

56. Ao revisar este artigo,

tomei conhecimento de um

ensaio incontornável de

Ruth Verde Zein (2012) so-

bre os textos de Oscar Nie-

meyer publicados em vá-

rios números da Módulo

(alguns citados aqui), rela-

tivos à critica internacional

de sua obra e explicitando

as próprias posições do ar-

quiteto em relação a ela.

57. As análises de Hélène

Jannière (2002, p. 338-341)

sobre as revistas de arquite-

tura constituíram uma refe-

rência estimulante para mi-

nhas reflexões sobre a

representação fotográfica da

arquitetura brasileira; agra-

deço a esta autora as longas

conversas em Paris sobre a

questão.

58. Ver Hélène Jannière

(2002, p. 90ss).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

54

Esses dispositivos visuais passam a figurar nas capas e em reportagens que

destacam virtualmente a imagética da capital por vir (Figura 29).

Figura 28 – Reprodução de recortes sobre "A inauguração de Brasília na imprensa mundial", Módulo

no 18, junho de 1960.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 55

A Módulo no 8, traz a "reportagem completa sobre o concurso de ante-

projetos do plano piloto", em que o 5° premiado (Villanova Artigas e outros) inclui

curiosamente um desenho de Percy Lau, extraído da série "Tipos e Aspectos do

Brasil", Boiadeiro e sua tropa, cena representativa da região Centro-Oeste, onde

se construiria a capital.

A Módulo no 9, de fevereiro de 1958, mostra "Brasília em exposição

permanente", montada no Rio de Janeiro, exposição cujo projeto era de Arthur Lício

Pontual (então responsável pelo layout da Módulo), exibindo fotografias, croquis e

maquetes do andamento da construção, mostra essa que teria, entre outras, incluído

fotografias de Gautherot e sobre a qual farei comentários mais adiante. Nos painéis

dessa exposição, assim como nas capas e reportagens ilustradas por fotografias

de maquetes e perfis (números 9, 10 e 11), destacam-se imagens em que se

procede ao gesto analítico de recortar partes significativas que compõem a nova

arquitetura – as colunas do Alvorada e os montantes da Catedral – como dispositivos

visuais que a promovem e a difundem. Na Módulo no 10, de agosto de 1958,

um artigo de Joaquim Cardozo "Forma estática e forma estética" exibe quatro

fotografias sem atribuição que destacam, no sentido transversal e longitudinal, os

Figura 29 – Dispositivos visuais (maquetes e croquis fotografados) promovem Brasília a partir da Módulo no 6, dezembro 1958.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

56

pilares desenvolvidos em leque dos palácios da Alvorada, do Planalto e do

Supremo Tribunal. Já a Módulo no 11, de dezembro de 1958, refere-se, sobretudo,

à Catedral de Brasília, da capa – com design significativamente interessante de

Glauco Campelo utilizando uma visão tecnológica e tectônica do alto da maquete

– à longa reportagem que associa fotos, esboços e texto explicativo de Oscar

Niemeyer (Figura 30).

Figura 30 – Capa da Módulo nO 11, dezembro de 1958, demonstrando a qualidade do layout de

Glauco Campelo que retrata a Catedral de Brasília.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 57

As primeiras fotos da arquitetura de Brasília de que se conhece como

sendo de Marcel Gautherot (embora estejam sem créditos, mas passíveis de

identificação por meio dos contatos arquivados no IMS), estão na Módulo no 12,

de fevereiro de 1959; são 14 imagens retratando a decoração interior do Palácio

Presidencial e do Brasília Palace Hotel: trata-se de vistas gerais que destacam a

perspectiva das salas exibindo a decoração interior como para "testemunhar uma

realidade bem viva" e não "um projeto abstrato", como escreveu o embaixador do

Brasil em Paris, ao apresentar o caderno especial de L'Architecture d'Aujourd' hui ,

em 1958. O no 12 da Módulo inclui também fotografias sem atribuição sobre as

unidades residenciais de Brasília em artigo de Lucio Costa, além de desenhos e

maquetes de projetos de Niemeyer para o Instituto de Aposentadoria e Pensões

dos Bancários e para o Museu de Brasília, obras essas a serem construídas.

É ainda na Módulo no 12 que reconhecemos uma grande foto avulsa

de Gautherot, sem atribuição, na página à direita da do expediente; essa foto se

inscreveria no âmbito de um humanismo documental também presente em séries do

seu acervo: ela representa a multidão de populares de costas no enterro de

Bernardo Sayão, em Brasília – note-se que fotos nesta linha foram raramente

publicadas na Módulo (Figura 31). A tomada segue uma tendência dos fotógrafos

da vanguarda de fotografar "os que olham" um acontecimento (alheios ao fotógrafo,

e muitas vezes de costas) e não o objeto do olhar59.

Abro um parêntese para registrar que, uma vez morando em Brasília

para fotografar o andamento das obras, Gautherot voltou-se também para o hors-

champ do plano piloto, para o habitat precário dos trabalhadores, vida paralela,

germe das extensas cidades-satélites que cercam hoje a capital. A descrição da

pobreza em Gautherot busca documentar o real sem miserabilismo ou exploração

sensacionalista no gênero "estética da miséria". Lembremo-nos que tanto a

habitação social como a vernacular foram temáticas pela quais ele se interessou

desde a juventude (vide seu discurso de Sohlberg, em 1930), e que voltam nas

tomadas que fez do casario brasileiro. Da mesma forma, os retratos de homens

e "mulheres do povo" (já presente nas fotografias sobre o México em 1936, e

que dá nome a uma das séries de seu projeto de photo-book, mais tarde, no

Brasil), são tomados como um documento social ou etnográfico. Mulheres e

crianças diante dos casebres e candangos indo para o trabalho constituem um

dossiê sobre um aspecto da Brasília nascente que o fotógrafo não conseguiu

publicar: "Eu quis ir muito longe, eu quis mostrar as favelas, as cidades-satélites.

Teria a possibilidade de fazer um livro sobre Brasília com isso... Recusaram

porque era muito feio..."60 .

O número seguinte é a Módulo no 13, de abril de 1959, (ver Figura 8)

que ostenta a significativa capa "construtivista" que já analisei anteriormente,

mostrando detalhe das estruturas, captado por Gautherot em fotografia que lhe é

atribuída, retrabalhada por Pontual. O número não traz a relação capa-reportagem,

como era de praxe, pois não há imagens da mesma linha nas páginas internas da

revista61.

59. Recentemente o tema foi

tratado em exposição reali-

zada em Paris no Centre

Georges Pompidou e catálo-

go dirigido por Clément

Chéroux (2013). Lê-se nos

textos da mostra que para

este fotógrafo (que Gauthe-

rot admirava), "como para

muitos outros que se reco-

nheciam nas idéias do co-

munismo, a um momento

ou outro, a multidão encar-

na o poder do povo, isto é,

a esperança revolucionária".

Cf., no catálogo citado, o

pequeno texto sobre "Le

siècle des foules" (2013, p.

338).

60. Cf. Entrevista que Marcel

Gautherot concedeu a Lygia

Segala a 07/12/1989, no Rio

de Janeiro, já citada.

61. Estas fotografias de Gau-

therot só vieram a ser publi-

cadas por mim em 2007 no

catálogo que organizei por

ocasião da mostra na FAAP

e em comunicação sobre

Brasília (ver Heliana Angot-

ti-Salgueiro, 2008); aprofun-

dei a análise em "Brasília,

ville radieuse photogéni-

que", texto apresentado em

La Chaux de Fonds em 2010,

em vias de publicação.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

58

Na Módulo no 14, de agosto de 1959, três grandes fotos de Gautherot

sem atribuição retratam o Palácio da Alvorada, inseridas no artigo "Brasília vista

por um inglês", de J. M. Richards – um dos representantes de seu país nos CIAMs

Figura 31 – Fotografia de Marcel Gautherot (sem indicação de autoria), no funeral de Bernardo Sayão,

em Brasília. Módulo nO 12, fevereiro de 1959.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 59

e editor da Architectural Review, em que sempre deu destaque para a arquitetura

moderna brasileira, como no número especial em março de 1944 e, em 1950, o

Report on Brazil. Parece que o olhar estrangeiro ainda precisava ser convocado

para testemunhar a magnitude épica do empreendimento e as fotos cumprem o

postulado de Le Corbusier, "sob tal luz a arquitetura nascerá" – e ela nasce antes

da cidade nos volumes geométricos que se destacam no vazio empoeirado do

planalto, tão adequado ao projeto modernista, que requer um novo espaço para

se implantar, e nas formas livres, destacadas nas perspectivas e perfis iluminados

do Palácio da Alvorada, o primeiro a ser construído. O olho fotográfico de

Gautherot pode ser reconhecido em muitas fotografias que não recebem atribuição,

como na página que inclui um enquadramento através de esquadria que destaca

a perspectiva de efeitos de sombra da vista do hotel, e a imagem frontal do

esqueleto do Congresso em construção (Figura 32).

A partir da Módulo no 15, a revista tem o formato diminuído (passa de

25x 35cm a 22 x 29cm); na capa nota-se a articulação de croquis e duas

fotografias de Gautherot que, nas páginas internas, vão se associar significativamente

a um terceiro elemento, o texto, no artigo "A imaginação na arquitetura", de Oscar

Niemeyer. A busca de "diversos pontos de vista" assinalada pelo arquiteto, com a

representação dos olhos e das linhas que saem deles ("o olho que anda" das

vanguardas...), é retomada pelo fotógrafo ao captar o objeto arquitetural no

espaço infinito sob diferentes ângulos, respondendo a verbos de movimento, como

"percorrer": primeiro contornando-o de longe, em seguida se aproximando da obra

para sentir sua escala e o espaço que a cerca, para afinal entrar na mesma (sob

o peristilo das colunas do Palácio da Alvorada), captando o perfil de suas formas

que se agigantam graças ao ângulo fotográfico, e se espelham no solo molhado

até a capela, ao fundo, que funciona como ponto de fuga da cena. Gautherot se

esmera na busca de pontos de vista inéditos e monumentais destacando os perfis

em "leque" das colunas, reiterando os esboços do arquiteto, para descrever e fixar

ora a esbelteza, reflexos, texturas e materiais, ora as sensações de volume no

espaço, no caso dos palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (Figura

33).

Nessa edição da Módulo no 15, compõem a capa fotos das estruturas

das cúpulas do palácio do Congresso em construção sendo trabalhadas pelos

operários, sem créditos na página do expediente; porém, na reportagem interna,

quatro fotografias da mesma série são devidamente atribuídas a Gautherot – nelas

a "visão em movimento"62 do fotógrafo o aproxima dos operários que preparam a

armação dos ferros antes da concretagem. Busca de efeitos estéticos em cena real,

porém longe da abstração de outros contatos "desumanizados", como as da série

da capa da Módulo no 13, efeitos também buscados pelo diagramador que aplica

cor nas fotos e as dispõem alternadamente em quadrados na página, reservando

um quadrado para a frase que distingue o fotógrafo: "Fotos de Marcel Gautherot".

Ainda nesse número 15, aparece também a hoje célebre fotografia dos

Ministérios em obras, sem atribuição, embora o nome de Gautherot esteja

62. Expressão de Olivier Lu-

gon (2000).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

60

Figura 32 – Página da Módulo no 14, agosto de 1959.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 61

63. Estas observações (bem

como o título desta parte)

foram retomadas da comu-

nicação "Marcel Gautherot

et la naissance photographi-

que de Brasília", apresenta-

da em La Rochelle, em 2005,

e publicada em Laurent Vi-

dal (2008); ver também He-

liana Angotti-Salgueiro

(2007b, p. 276).

Figura 33 – Palácio do Supremo Tribunal Federal em fotografia de Marcel Gautherot e esboços de Oscar Niemeyer, páginas da Módulo

no 15, outubro de 1959.

destacado no artigo mencionado acima; a fotografia está na abertura da revista,

em página inteira, à esquerda do "Poema" de Joaquim Cardozo dedicado "ao

arquiteto-poeta Oscar Niemeyer, a Manuel Bandeira, a João Cabral de Mello Neto

e a Thiago de Mello, arquitetos da poesia". Já comentei em textos anteriores o

efeito de uma miragem ou transfiguração da realidade que encerra a imagem da

estrutura metálica dos edifícios saindo da poeira, acima da linha do horizonte que

divide a foto, em que os operários aparecem minúsculos e as sombras gigantescas

das estruturas das construções do lado oposto, a ocuparem o primeiro plano –

efeito da desmaterialização das formas, paradoxalmente construtivista63.

As revistas Módulo no 16 e no 17, publicadas em dezembro de 1959 e

abril de 1960, contam com os artigos "A propósito de Brasília" e "Problemas e

perspectivas de Brasília", respectivamente assinados por Amâncio Williams (arquiteto

do Movimento Moderno argentino, que foi responsável pelas obras da Casa Curuchet

de Le Corbusier, em La Plata) e por Sir William Holford (arquiteto e professor de

planejamento urbano na University College, em Londres, que participou do júri de

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

62

seleção do plano piloto de Brasília) – artigos que são ilustrados com fotografias da

Esplanada dos Ministérios em obras, sem autoria. Além destes textos de apoio à

cidade em construção, a revista mantém matérias visuais sobre projetos em

andamento, com esboços e fotos de maquetes (Jardim de Infância, teatros oficiais...).

A prática de publicar artigos de arquitetos e críticos conhecidos internacionalmente

ocupou números da revista que precedem a inauguração da capital; na Módulo no

17, de abril de 1960, Aline Berstein Saarinem completa o time – jornalista americana

e crítica de arte e arquitetura que era então casada com o arquiteto Eero Saarinem,

assina "Surge Brasília" (originalmente publicado no New York Times em 18 de

outubro de 1959), ao lado de uma fotografia sem atribuição, cujo enquadramento

destaca o perfil da "coluna" sob o peristilo do Palácio do Planalto (Figura 34).

Figura 34 – Página da Módulo no 17, abril de 1960, com detalhe do Palácio do Planalto em

construção, fotografia sem crédito de autoria.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 63

A Módulo no 18, de junho de 1960, inclui no início, e a título de

fechamento, cadernos de publicidade sobre Brasília e abre com uma vista da

cidade em construção ao lado de texto de conferência de Roland Corbisier –

pensador desenvolvimentista de esquerda, de família tradicional pernambucana,

que era então diretor do ISEB ligado ao MEC –, "Brasília e o desenvolvimento

nacional", sobre as condições de possibilidade "políticas, ideológicas, culturais e

históricas" da transferência da capital. Mas o mais relevante para nosso estudo é

o artigo seguinte, uma espécie de depoimento histórico-retrospectivo de Oscar

Niemeyer "Minha experiência de Brasília", com 14 fotografias sem atribuição. No

texto, expressões como "empreendimento extraordinário", "tarefa gigantesca",

"aventura", "cruzada", "espírito de luta" comunitário, dão o tom épico da

"experiência" vivida para fundar a capital. As representações sobre os projetos dos

edifícios principais comportam adjetivos que as aproximam daquelas de tratados

clássicos do século XIX da formação acadêmica: "encontrar uma forma clara e bela

de estrutura (...) dentro do critério de simplicidade e nobreza (...) proporcionando

aos visitantes da nova capital, uma sensação de surpresa e emoção que a

engrandecesse e a caracterizasse". Niemeyer cita sua lembrança do "impacto

indescritível pela beleza e audácia plásticas" da Praça de São Marcos, do Palácio

dos Doges e da catedral de Chartres, em recente viagem à Europa.

Entre as 14 fotografias reconheço que oito de arquitetura e duas de

vistas da cidade são certamente de Marcel Gautherot, embora não lhe sejam

dados os devidos créditos em matéria tão importante; quase todas estão

acompanhadas de legendas extraídas do texto, que dialogam com elas como se

estivéssemos diante de uma "criação partilhada", "colaboração orgânica (...)

criação sobre outra criação"64, em que o fotógrafo, habitante temporário da cidade

como fora o arquiteto, revela-se também arquiteto escolhendo o ângulo correto

desta "arquitetura rica de formas e ao mesmo tempo sóbria e monumental", o perfil

dos volumes e sua relação com o espaço e a luz que define essas formas "claras

e belas (...), a atmosfera de digna monumentalidade", "a leveza das estruturas" e,

num outro registro, que não poderia faltar – o do pensamento humanista que

ambos, arquiteto e fotógrafo partilhavam – capta-se o "espírito de sacrifício dos

operários, verdadeiros e modestos heróis desta esplendida jornada"65.

A ordem das fotografias é a de uma narrativa fundadora: após a foto

aérea do território vazio, a primeira visita da comitiva em marcha com o arquiteto,

o Catetinho, os operários. Seguem-se as fotografias da fachada do Palácio da

Alvorada em perspectiva lateral, a visão frontal do Congresso, a Catedral em

obras, e a página inteira com o gros plan da cúpula invertida sob cor amarelada

que se insinua no corte sobre a laje de concreto, verdadeiro évenement plastique

(expressão que tomo a Le Corbusier), com sua geometria agigantada, quase

abstrata, em contraste com o minimalismo de dois personagens ao fundo (ver

Figura 9). Naquele momento, Gautherot já estava consciente do papel de sua

fotografia como uma criação e não apenas como um registro documental e

anônimo para a promoção e difusão da linguagem da arquitetura moderna

64. Cf. expressões de Olivier

Lugon (2003, p. 43).

65. Expressões de Oscar

Niemeyer (1960b).

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

64

brasileira, realizando tomadas mais pessoais como esta; a mesma liberdade

criativa se dá com a foto aproximada dos operários amarrando os ferros, na

cúpula invertida do Congresso – momento em que ele se coloca dentro da obra,

évenement humain, além de "construtivo", o primeiro plano sendo reservado aos

materiais (Figura 35).

Figura 35 - Fotografia de Marcel Gautherot do interior da cúpula convexa do Congresso Nacional,

Módulo no 18, junho de 1960.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 65

Na história da fotografia, o olho modernista pode se caracterizar pelo

interesse na estrutura mais do que no edifício, sendo que naquela presume-se que

a estética não seja intencional – assertiva discutível em casos como o de Gautherot,

quando ferros e outros materiais comuns ganham plasticidade quando isolados num

contato (como na capa já comentada da Módulo no 13). Desde a Bauhaus, que

Gautherot conheceu na Alemanha em 1930, a fotografia da arquitetura já havia

deixado de ser apenas ilustração documental, transformando-se em médium ideal

capaz de apresentar a essência tectônica e visual dos edifícios66. Algumas fotos

de canteiros de obras de Brasília mostram este enfoque físico da construção, se

bem que em muitas delas ele inclua os operários executando tarefas, como o

escoramento das formas em meio dos ferros e ripas de madeira. Este tipo de

imagem é recorrente também em outros fotógrafos, como Lucien Hervé, que capta

as obras de Chandigarh para Le Corbusier e que esteve em Brasília no começo

dos anos 1960 e cujas fotos são próximas das de Gautherot.

Ainda no artigo de Niemeyer da Módulo no 18, há imagens que

enfatizam o enquadramento e a distância espacial da obra: Gautherot foca a

praça dos Três Poderes (antes da instalação da escultura Candangos, de Bruno

Giorgi) de dentro do Palácio do Planalto, usando a esquadria como moldura da

foto; depois reproduz o edifício em duas tomadas frontais clássicas, mas

demonstrando o que ele havia retido das leituras de Le Corbusier: a "luz como a

base da arquitetura" e a "construção que se insinua no sítio". Seguem-se a fotografia

do Palácio da Alvorada ao longe, que parece minúsculo captado no planalto vazio

e sem vegetação, e uma visão aérea de parte da cidade. Se "a dimensão da

monumentalidade é uma questão fundamental para entender as soluções urbanas

adotadas em Brasília"67 – lembrando que Lúcio Costa a defendia sem grandeza

ostentatória e incorporando outros valores como a natureza –, as soluções

arquiteturais, por sua vez, assumem proporções modestas, sugerindo cuidado com

a aplicação do conceito de monumentalidade à capital moderna, tema que vai

além dos propósitos deste texto.

A Módulo no 19, de agosto de 1960, dá novamente a palavra a Sir

William Holford em conferência "Sobre Brasília", feita antes da inauguração, no Real

Instituto de Arquitetos Britânicos. Revelada em vermelho, a foto em página dupla de

Gautherot (não atribuída) enquadra através das esquadrias do Palácio do Planalto

(du dedans vers le dehors) a Praça dos Três Poderes, com o edifício do Supremo

Tribunal no centro, ao longe, "forma livre" no espaço largo e infinito; na foto dos

Guerreiros ou Candangos de Bruno Giorgi inscrita na mesma praça, escultura

retratada nas séries de Gautherot, não se dão tampouco créditos ao fotógrafo. Em

todos os números desse ano há fotos avulsas de edifícios de Brasília, sem autoria.

Na Módulo no 21, de dezembro de 1960, repete-se a foto da cúpula

invertida (Figura 9), novamente sangrando a página, desta feita revelada em forte

cor azulada, em artigo de Niemeyer, "Forma e função na Arquitetura". Esta repetição

de fotos acontece algumas vezes na Módulo, e sugere que o leque de fotografias à

disposição não era tão vasto, apesar do grande número de contatos feitos por

66. Reflexões a partir Andre-

as Haus (1997). Ver, a res-

peito, Heliana Angotti-Sal-

gueiro (no prelo).

67. Ver, entre outros, José

Pessoa (2010/2012, p. 23),

que relembra a frase de

Lewis Mumford (The Cultu-

re of Cities): "If it is modern,

it cannot be a monument".

Sabe-se que a associação

monumentalidade/totalita-

rismo caracterizou o pensa-

mento dos anos 1930 e per-

sistiu na historiografia por

um bom tempo.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

66

Gautherot em Brasília, que seu acervo revela hoje. O texto é uma tomada de posição

diante das imposições radicais do funcionalismo, em que o arquiteto defende a

procura de soluções novas e variadas de uma arquitetura com liberdade plástica sem

medo das contradições da forma com a técnica e a função: o exemplo dado por

Niemeyer, que Gautherot e outros fotógrafos souberam explorar em suas fotografias,

é a "forma dos suportes ou das colunas" dos palácios da Alvorada, do Planalto e do

Supremo, muitas vezes focadas de perto para mostrar o que o arquiteto queria:

A Módulo no 26, de dezembro de 1961, é um número especial em

homenagem ao calculista de Niemeyer, Joaquim Cardozo, que se desligava da

equipe, com artigos de Rodrigo Mello Franco, Jorge Amado, Samuel Rawet, Mário

Barata, em que fotografias de Marcel Gautherot, sem identificação de autoria, se

combinam e são superpostas por desenhos estruturais dos projetos, no layout de

Goebel Weyne, da capa às páginas internas. Predominam imagens dos edifícios em

obras, além dos operários captados em meio às ferragens das armações, o Palácio

da Alvorada recoberto pelos andaimes, a capela, a Catedral e recortes em close das

cúpulas do Congresso. Essa forma é escolhida para ilustrar o poema "Prelúdio e elegia

de uma despedida", de Joaquim Cardozo – a imagem explora mais uma vez o

estetismo construtivo e a fotogenia geométrica imponente da cúpula invertida, desta

feita sob forte contraste de luz e sombra (Figuras 36 e 37). Fecham esse número da

revista outras obras além das de Brasília, em que o concurso do calculista permitiu a

audácia das formas – pilotis robustos do conjunto JK e detalhe da igreja da Pampulha,

em Belo Horizonte, o Museu de Brasília, o monumento aos mortos da Segunda

Guerra, e a casa das Canoas, no Rio de Janeiro –, obras que fazem parte das séries

do acervo de Marcel Gautherot, cuja identificação detalhada resta a fazer.

A omissão de autoria, embora intermitente, parece-nos incompreensível

no final dos anos 1950, quando outras revistas já davam créditos aos fotógrafos

desde o início da década (embora, vimos, haja lacunas), como a Architectural

Review e a Domus, para lembrar algumas que atribuem a Gautherot fotos como as

da Unidade de Habitação em Pedregulho, além da francesa L'Architecture

d'Aujourd'hui, em números especiais sobre o Brasil – desde os de 1947 e 1952,

até os de 1958 e 1960, sobre Brasília; nesta última, a apresentação informa: "Le

reportage photographique sur Brasília a été assuré exclusivement par Marcel

Gautherot". No caso de revistas brasileiras, como a Acrópole, em São Paulo, cujos

números 256-257 apresentam mais de 100 páginas sobre Brasília, dão-se os

créditos aos fotógrafos, embora não individualmente a cada clichê, mas no final do

volume – Marcel Gautherot e a Módulo estão listados junto a fotógrafos que eram

da redação como José Moscardi, A. Braga, P. Colombo, P. Stricker, Rubens R. dos

Santos e Thomas Farkas69 .

68. Expressões e frase de

Oscar Niemeyer (1960b),

que associaríamos à conhe-

cida fotografia da família de

candangos na inauguração

de Brasília, por René Burri,

que não pode ser publicada

aqui.

69. A revista Acrópole costu-

mava não só citar no expe-

diente os fotógrafos, mas

especificar as páginas em

que publicavam suas foto-

grafias – a exemplo, no nú-

mero 211, em 1956 constam

Michel Aertsens, p. 266 a

271, e José Moscardi, págs.

272, 273, 283 e 285.

formas que não se apoiassem no chão, rígidas e estáticas como uma imposição da técnica, mas

que mantivessem os palácios como que suspensos, leves e brancos, nas noites sem m do

Planalto. Formas de surpresa e emoção que, principalmente, alheassem o visitante – por instantes

que fossem – dos problemas difíceis, às vezes invencíveis, que a vida a todos oferece.68

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 67

As campanhas fotográficas sobre a construção da nova capital brasileira

são, pois, decisivas na carreira e difusão internacional da obra de Marcel Gautherot

como fotógrafo da arquitetura moderna em revistas do gênero; algumas séries se

destacam em relação àquelas de seus contemporâneos, pois vão além da realidade

construída, do registro documental da campanha encomendada, afigurando-se

muitas vezes como produção autônoma e singular70.

70. Uma pesquisa sobre as

pranchas-contato de Marcel

Gautherot retratando as

obras de arquitetura de Os-

car Niemeyer está em curso

pela autora deste texto.

Figura 36 – Palácio da Alvorada em construção, fotografia sem indicação de autoria, Módulo no 26,

dezembro de 1961.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

68

Fotografias em exposição

Finalmente, além da revista Módulo representar um espaço

privilegiado para celebrar o processo de auto-legitimação da arquitetura

brasileira, sobretudo ao divulgar a construção de Brasília, ela inclui matérias

sobre as demais estratégias de visibilidade desta nova arquitetura: congressos,

publicação de livros, e as exposições. Sabe-se que entre as novas formas de

comunicação visual da fotografia de arquitetura, as exposições datam dos anos

1920, no cenário da vanguarda internacional. Quando estudei a cenografia

da exposição sobre Marcel Gautherot na FAAP, não foi por acaso a opção por

uma montagem com citações da museografia "construtivista" de exposições dos

anos 1930-1950, pensando em como a fotografia era então exposta71 – ou

seja, tomando por base painéis fotográficos montados em tubos de metal – tal

qual a exposição promovida pela Divisão Cultural do Itamaraty, na UNESCO,

em Paris, em novembro de 1958, noticiada com fotos na Módulo no 12, de

fevereiro de 1959. Nela são facilmente reconhecíveis painéis com fotografias

de Gautherot não só sobre Brasília, tema principal da mostra, mas também

71. Cf. o capítulo "Da expo-

sição, cenografia e obras – a

fotografia integrada ao de-

sign", em Heliana Angotti-

-Salgueiro (2007b, p. 14-21).

Da mesma forma que estu-

dando montagens do pe-

ríodo entre-guerras, repro-

duzimos na exposição um

"diagrama do campo da vi-

são multifacetada" com pai-

néis de fotografias de Gau-

therot, nos moldes da

montagem de Herbert

Bayer, da Deutscher Werk-

bund, na Exposition des

Artistes Décorateurs, em

Paris, em 1930, certamente

visitada por ele. Consultei

sobre o tema os textos de

Herbert Bayer (1961), Oli-

vier Lugon (1998) e Mary

Anne Staniszewski (1998).

Figura 37 – Vista sob a cúpula do Congresso Nacional, Brasília, fotografia de Marcel Gautherot

(sem indicação de autoria), Módulo no 26, dezembro de 1961.

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 69

retratos de suas "mulheres do povo", que ilustram largo painel sobre a

demografia do país, embora o nome do fotógrafo não seja citado na reportagem

(Figura 38).

Estas exposições seguem a tendência das revistas quanto aos

créditos, em geral ocasionais; aqui se faz a atribuição ao autor da montagem

em detrimento do fotógrafo – assim, consta apenas o nome do designer Artur

Lício Pontual. Para dar a dimensão do evento, a revista noticia "personalidades

ilustres da arquitetura" presentes na inauguração, como Le Corbusier, Gropius,

Marcel Breuer, Philip Johnson, Rodgers, Zeherfuss e outros, além dos mais

destacados porta-vozes da imprensa de Paris: "os jornais Le Figaro , Combat ,

Le Monde, L'Aurore , o semanário Arts , e a revista L'Architecture d'Aujourd'hui"72

(Figura 39).

A produção fotográfica voltada para modalidades de uso nestes dois

registros – a serviço da comunicação visual pelo impresso, no caso as revistas ,

ou destinada a painéis de exposição, em que se privilegiava o grande formato,

típico daqueles anos – certamente direcionou a concepção de muitas das

72. Cf. J. O. de Meira Penna

(1959, p. 38ss). A reporta-

gem desse diplomata, que

chefiava a Divisão Cultural

do Ministério das Relações

Exteriores, levanta um histó-

rico das várias exposições

itinerantes que promoveram

a arte e especialmente a ar-

quitetura brasileira no exte-

rior naqueles anos, desta-

cando os painéis sobre

Brasília, cidade que vinha

"causando verdadeira sensa-

ção na opinião publica da

Europa, dos Estados Unidos

e de nossos vizinhos sul-

-americanos". Sobre as "his-

tórias cruzadas" que uniram

Le Corbusier, Niemeyer e

Gautherot, ver Heliana An-

gotti-Salgueiro (2013a).

Figura 38 – Páginas da reportagem "Exposições de Arquitetura Brasileira", Módulo no 12, novembro de 1958.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

70

Figura 39 – Le Corbusier na exposição de arte brasileira na Unesco, em Paris, Módulo no 12,

novembro de 1958.

fotografias de Brasília feitas por Gautherot. A eficácia visual requerida para a

comunicação expositiva passa a fazer parte do processo de criação e produção

fotográfica, seja das imagens sobre a arquitetura moderna, muito requisitadas,

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 71

73. Cf. Módulo n. 2,

fev.1958, p. 23.

seja das fotos referentes às manifestações culturais populares do país, aos seus

"tipos e aspectos", que compõem parte significativa do acervo de Gautherot,

e que respondiam, tanto na revista quanto nas exposições, à cristalização e

recepção das representações do Brasil veiculadas pelo Estado-Nação, ao

mesmo tempo em que despertavam interesse no exterior.

Na Exposição Universal de Bruxelas, em 1958, o Pavilhão do Brasil

noticiado na Módulo no 2, é "considerado o melhor de toda a exposição"; obra

do arquiteto Sergio Bernardes, que "procura tirar partido do local e das

diferenças de níveis existentes, donde a rampa que se desenvolve em torno de

um jardim tropical criado por Burle-Marx"73. Essa rampa era ladeada por fotos

de Marcel Gautherot em grande formato, com as mesmas temáticas

representadas na revista, ou seja, a cultura material, imaterial e a arquitetura

moderna. Ele próprio se orgulhava dessa ocasião em que suas fotos foram

expostas, destacando aquelas sobre "o folclore e arte popular" na entrevista

concedida a Lygia Segala em 1989, já citada.

O "Noticiário" da Módulo no 18 traz pequena reportagem sobre

exposição de arquitetura brasileira em Caracas e Bogotá, também organizada

pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que abrange desde exemplares

da colonização portuguesa até as obras de Brasília, com "farta documentação

fotográfica (...) várias maquetes das obras de Oscar Niemeyer e uma réplica

do profeta Joel do Aleijadinho na mesma pedra sabão do original". As fotos

da reportagem, embora sejam pequenas, permitem o reconhecimento e a

identificação de fotografias de Gautherot.

A Módulo no 21, na página 54, noticia a exposição de arquitetura

brasileira nos Estados Unidos (Los Angeles) organizada pelo arquiteto Ricardo

Menescal, que "saiu pronta do Rio de Janeiro, com fotografias (aplicadas) em

placas de alumínio de fácil embalagem e transporte". Em geral, essas

exposições eram forçosamente simples e práticas, pois feitas para montagens

e desmontagens em diversos países. Assim é que a Módulo no 32, de março

de 1963, noticia a exposição "Arquitetura brasileira na Europa" – projetada

por Magalhães, Noronha e Pontual, com "serviços fotográficos de Marcel

Gautherot e Michel Aertsens" – cujos temas se distribuíam em três módulos: o

barroco, a arquitetura contemporânea e Brasília. Essa exposição foi apresentada

em países do Leste europeu e na União Soviética, também pelo Departamento

Cultural e de Informação do Ministério das Relações Exteriores; nota-se que em

se tratando de uma "exposição itinerante é extremamente leve, sem prejuízo da

resistência e durabilidade", compondo-se de 21 painéis sustentados por

alumínio anodizado com 90 fotografias coladas nas duas faces dos painéis, e

prestando-se a "um máximo de posições e apresentações numa área mínima

de 10x6m". Um trabalho aprofundado sobre os contextos ideológicos que

sustentam estas exposições, e a identificação completa das fotografias de

Gautherot ou de outros fotógrafos nelas apresentadas está também para ser

feito.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

72

Considerações finais

Conhecendo o acervo de Marcel Gautherot, podemos afirmar que

as fotografias sobre Brasília selecionadas para a revista Módulo são anteriores

a outras séries importantes que o fotógrafo fez depois do seu desligamento da

equipe a partir do número 28, em junho de 1962, quando os fotógrafos não

são mais identificados no expediente da revista, que traz genericamente a

menção das fotos a "Blocks/Clicherias reunidas Latt-Mayer, S.A."

As pranchas-contato do acervo de Marcel Gautherot, conservadas no

Instituto Moreira Salles, sobre a nova capital foram classificadas como "Obras

gerais", e também especificadas por edifício; elas evidenciam que ele voltou várias

vezes ao mesmo local, como era seu costume, para completar as seqüências das

séries, fazendo tomadas com aproximações, ângulos e iluminação diferentes.

Apropriou-se das formas, captou inclusive sua própria sombra ao lado (ou diante)

delas, como para fazer parte da cena ou reverenciá-la – fotos que não foram

publicadas na época – assinando assim a autoria, ou "trazendo sua marca sobre

o trabalho de outro". Mas a relação entre ele e o arquiteto será sempre um enigma:

"o exercício da fotografia de arquitetura parece proceder de uma negociação

essencialmente oral, que deixa poucos traços"74 – a banalidade das declarações

de Niemeyer, que não vão além da laudatória amical a Gautherot, o comprovam.

Ele sai da Módulo em momento de dificuldades crescentes da revista,

para entrar definitivamente no mercado internacional com as imagens da nova

capital do Brasil, certo que suas fotografias seriam ainda muito requisitadas para

livros e periódicos que já mostravam seu trabalho e o aproveitavam em layouts mais

cuidados e devidamente atribuídos, como é o caso da L'Architecture d'Aujourd'hui

(Figura 40).

Sabemos que uma revista depende do meio e da conjuntura que a

sustentam; nos anos que se seguem pode-se atribuir as modificações e mesmo o

empobrecimento do projeto editorial da Módulo que culmina com seu fechamento

pelos militares em 1964, à conjuntura histórica que se complica com a saída do

presidente Juscelino Kubitschek (que sempre apoiou Oscar Niemeyer) da cena

política, nas eleições de 1960.

Brasília marcou a história do urbanismo e da arquitetura não apenas, e

afinal, como uma utopia realizada, mas enquanto uma cidade-capital que passou

por uma "evolução pragmática"75, com todas as vicissitudes e graves problemas

de crescimento excludente, comuns às cidades brasileiras, sem perder, porém, a

imagem de sua criação. As opções estéticas de certos contatos de Marcel Gautherot

mostram que Brasília "permaneceu, pelo menos nas fotografias, exatamente com a

mesma magnitude que as revistas de arquitetura lhe conferiram"76.

Assim é que, apesar da "propaganda idealizada ter frustrado a

expectativa" dos primeiros visitantes que se viram diante de uma cidade artificial

sem urbanidade, apesar dos anos de chumbo que alteraram o curso da alvorada

de uma "nova era", trazendo, em conseqüência, o esvaziamento da representação

74. Expressões de Olivier

Lugon (2004, p 12).

75. Expressão de Yannis

Tsiomis (1997, p.77).

76. Cf. Yannis Tsiomis

(1997, p. 77).

Annals of Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.-Jun. 2014. 73

simbólica de sua "magnitude cultural" fundadora, e apesar da historiografia

negativista a respeito de suas contradições77, segundo pesquisas recentes78, Brasília

teria respondido às aspirações humanistas dos CIAM e de Oscar Niemeyer

expressas no editorial de abertura da revista Módulo, em 1955 por "uma cidade

mais humana e mais feliz"...

77. Ler a seleção cronológi-

ca de críticas sobre Brasília

levantada e comentada por

Hugo Segawa (2010/2012,

p. 35-39).

78. Hugo Segawa (2010

/2012) considera os dados

do levantamento de Frede-

rico de Holanda (2002) so-

bre a recepção positiva da

cidade pelos seus habitan-

tes, independente da classe

social a que pertencem, e

cita também o resultado do

levantamento feito pela

Fundação Getúlio Vargas

sobre o "alto grau de satis-

fação de seus moradores".

Figura 40 – Página de L'Architecture d'Aujourd' hui, no 90, número especial sobre Brasília, junho-julho

de 1960, contendo fotografias de Marcel Gautherot com indicação de autoria.

Anais do Museu Paulista. v. 22. n.1. Jan.- Jun. 2014.

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Artigo apresentado em 06/11/2012. Aprovado em 31/05/2014.

... About the images of Módulo magazine, says that it represented "A privileged space to celebrate the process of self-legitimization of Brazilian architecture, especially when publicizing the construction of Brasília, it includes articles on the other visibility strategies of this new architecture: congresses, book publishing, and exhibitions." 16 The architect, then editor of Módulo magazine, realized one day that the magazine's office in Rio de Janeiro was looted and the censorship team would soon prohibit the editorial activities. According to Niemeyer: "I was in Europe when the coup took place and when the police searched my office and the Módulo magazine headquarters. ...

  • Luiz Gustavo Sobral Fernandes

Aunque Niemeyer es reconocido como un arquitecto célebre y bien estudiado, aún quedan por explorar algunos pasajes de su carrera profesional. Sin duda, uno de ellos es la relación que el arquitecto mantuvo con la dictadura militar brasileña (1964-1985), un gobierno reconocidamente de derecha. Si, por un lado, es cierto que Niemeyer era un comunista convencido y declarado, también es cierto que continuó trabajando para los militares a lo largo de los 21 años de dictadura que se instauró en territorio brasileño, incluso realizando proyectos que serían símbolo de las instituciones militares brasileñas. Este artículo busca profundizar en la vida del arquitecto y su relación con este período político represivo en Brasil, presentando proyectos y situaciones que sucedieron en Europa y dentro del territorio brasileño. Reúne material difundido en archivos y elabora una cronología documentada para esclarecer hechos y debates.

  • Laura de Souza Cury Laura de Souza Cury

Esta dissertação trata das imagens do Parque Ibirapuera na cidade de São Paulo, privilegiandouma perspectiva histórica e, sobretudo, fontes fotográficas. O foco principal recai sobrefotografias, pois acredita-se que a reprodutibilidade técnica desse meio auxiliou a divulgaçãode determinado imaginário a respeito da obra, da cidade e até mesmo do país. As imagenspesquisadas são provenientes de importantes arquivos e publicações – nacionais e internacionais – entre as décadas de 1950 e 1970. A pesquisa buscou compreender o projeto depaulistaneidade e de nação que incitou a construção desse parque-monumento emcircunstâncias socioeconômicas nacionais ainda periféricas, apesar do desenvolvimento dacidade de São Paulo na época. Pretendeu-se debruçar sobre como os símbolos arquitetônicos,urbanísticos e principalmente fotográficos do Parque Ibirapuera ajudaram a produzir sentidoestético e político relacionados a noções de modernidade e de progresso, almejando atransformar a paisagem urbana de São Paulo e do Brasil.

In the 1970s, Curitiba's architecture office of Joel Ramalho Júnior, Leonardo Tossiaki Oba and Guilherme Zamoner stood out in nine design contests, and won five of them: the National Bank for Economic Development (BNDE) Headquarters for Brasília (1973), built in Rio de Janeiro (1974), the Migrant's Square and Monument in Cascavel (1976), the building annexed to the Legislative Assembly of Paraná, in Curitiba (1976), the Exposition and Convention Center of Pernambuco, in Recife (1977), and the Terrafoto AS – Aero Survey Activity headquarters (project not built from 1979), Embu, São Paulo. These projects drew attention not only for being aligned with the formal assumptions of modern architecture from the 1950s to 1970s but also for presenting design responses which were different from the hegemonic scenario set up at that time. Based on the assumption that Curitiba's architecture of the 1970s revealed transformations regarding the national architectural production, the present work, supported by the interpretive-historical method, understands the architectural culture of the 1970s and shows that this group of architects' updated in the face of the modernist agenda in a moment of revision of the Modern thought. Key-words: architecture diffusion; architectural project; modern architecture; project methodology

  • Eduardo Augusto Costa

This paper addresses the issue of image representation in the National Historic and Artistic Heritage Institute, Iphan, between the 1970s and 1980s. With deep changes in the Brazilian political and cultural context and also in the international heritage debates, it's about to present certain aspects of these changing scenario, with an important performance played by the archived visuality by this Institute. Therefore, the Iphan's Photo Archive is presented as key element, a major institution in the organization and consolidation of ideas and narratives. Thus, this paper refers not only to the works done in the first decades but the establishment of an editorial policy over the years 1970 and 1980, changes in the institutional organization of Iphan and in the Brazil's cultural policy and, finally, in the activity of photographers at the turn to the 1980s, presenting then as evidence of the remarkable transformation initiated at the beginning of the 1970s. Finally, it is about to put in evidence the preeminence of the Photo Archive as a major institution in the recognition of the Iphan's trajectory.

  • Rafael Miura Bonazzi

This essay aims to show Athos Bulcão's artworks integrated into architecture in Brasilia, his career and partnership and the significance of his work as a precious legacy for the city. The artwork of Athos Bulcão not only reveals beauty and colors but an architectural identity that reflects a successful partnership between modern architecture and fine arts in Brazil. Brasilia is the high mark of modern movement where Athos Bulcão became a unique artist with the skill to amalgamate his art into architecture.

  • José Pessôa

The urban design for Brasilia emphasizes the role of the city as a capital, that is to say, as an expression of State identity and power. Lúcio Costa considered monumentality as a characteristic inherent in urbanism, but this should not be achieved by any ostentatious grandiosity in terms of the volumes and sizes designed, and rather by providing a more singular external expression in the building concept used incorporating nature, capable of both pleasing and moving their occupants. The dimension of monumentality is a fundamental question in understanding the urban solution adopted in Brasilia.

  • Hugo Segawa

This is a selection of some writings by authors that visited, commented and analyzed Brasilia, collected mainly in non-Brazilian literature. Testimonies and judgments, most of them expressing mistrust, disbelief, disapproval and prejudice about the embryonic capital, and the change of the nature of the critique, looking to a complex city with half a century of existence. Quotations are presented in chronological order and in a dialectic array, contrasting points of views at distinctive moments of the city.

  • Heliana Angotti-Salgueiro Heliana Angotti-Salgueiro

La « découverte » photographique du Mexique a coïncidé avec l'émergence de la Nouvelle Photographie en Europe dans les années 1920-1930. Ce pays, qui vivait alors une renaissance culturelle nationaliste, représentait un modèle politique révolutionnaire réussi et « le lieu rêvé du progrès social » pour les intellectuels de gauche et les jeunes photographes européens et américains – parmi eux Pierre Verger, voyageur-reporter indépendant, mais lié aux cercles du Musée ethnographique du Trocadéro depuis 1934. P. Verger réalise une campagne photographique pour le livre Mexique, édité par Paul Hartmann en 1938, dont l'introduction et les notes sont rédigées par Jacques Soustelle. Les codes de la photographie ethnographique sont présents dans les portraits du peuple comme dans les visages d'anonymes saisis dans la rue, sur les marchés et au cours des fêtes, qui annoncent la « photographie humaniste ». Documenter le Mexique signifiait alors prendre en photo ces visages, la vie sociale, les artefacts, les monuments précolombiens et du paysage représenté, entre autres, par l'exotisme de la flore locale. Quelques-unes de ces photographies mexicaines sont diffusées à Paris dans des revues comme Regards, Photographie AMG, Voilà, en répondant à la réception positive de l'imaginaire américain dans le Paris des années 1930. Le dialogue avec d'autres photographes qui ont eu des parcours semblables fait aussi partie de l'analyse, regards convergents et histoires croisées qui montrent, finalement, l'intérêt qu'il y a à s'interroger sur l'œuvre postérieure de Pierre Verger, au Brésil, à travers le prisme de son expérience vécue au Mexique.

  • Lygia Segala Lygia Segala

Esta referência qualifica cá e lá, na imprensa carioca novecentista, o trabalho do fotógrafo Mar-cel Gautherot (1910-1996). Das suas frequentes viagens documen-tárias por todo o país, entre os anos 1940-60, 2 revela séries de imagens que, processualmente, afirmaram-se, por um princípio de diferenciação, 3 como ícones nacionais, não raro escolhidas e usadas nas narrativas ilustradas oficiais, nos debates sobre o patrimônio cultural, em selos, calendários e notas de dinheiro, em Brazil, during the years 1940-60. The central focus of the analysis is the relationship among photography, documentary style, memory and national cultural heritage.

  • Hélène Jannière

Hélène Jannière, From Art urbain to environment: the urban landscape in writings on urban planning in France, 1911-1980 This paper analyzes the meanings of the notion of urban landscape in the writings of French urban planners, from 1911 to the end of the 1970s. Though quite at the fringe of French urban discourses, the notion was manifest in several moments of debate upon urbanism and its disciplinary tools. Between the wars and in the first phase of Reconstruction (1940-1944), it is linked to urban aesthetics and the conception of urbanism as art urbain. It disappears then quite totally after World War II. From the end of the 1950s to the mid-1960s, in reaction to French urban planning of the 1950s, ''urban landscape'' reintroduces urban composition, attention to the site: theses principles which proceed of art urbain of the interwar period are applied to the new scale of mass social housing (grands ensembles) and to their open spaces. The notion of urban landscape is thus pre-existent to the delayed French reception of the British ''townscape''. At the end of the 1960s, the words ''urban landscape'' spreads out, this time more as a critique of cadre de vie and environment.